Marcello Serpa e o desafio de se falar com quem vive em ‘bolhas’
Um dos principais nomes da propaganda abre o jogo para a coluna GENTE
Sete anos depois de trocar o mercado publicitário pelo lazer do surfe no Havaí, Marcello Serpa, 62 anos, decidiu voltar a olhar para sua trajetória, desta vez com distância, leveza e tinta nas mãos. Considerado o publicitário que redefiniu a comunicação brasileira nos anos 1990 e 2000, ele lança dois livros inéditos pela editora Afluente: Vendo, uma biografia escrita por Julius Wiedemann, e Vendo: Imagens, uma coletânea de desenhos, pinturas e trabalhos gráficos que atravessam seus 45 anos de carreira. Em conversa com a coluna GENTE, Serpa falou sobre o afastamento do mercado, o fim da era da mídia de massa, o medo das marcas em tempos de redes sociais, relembra campanhas icônicas, como as da Havaianas, e reflete sobre o papel da publicidade na política de drogas.
Como a mudança para o Havaí impactou seu processo criativo? A ida era estratégica, um detox pessoal e espiritual. A ideia era ficar dois anos, e acabamos ficando sete. Eu não deixei de criar, só mudei o foco. Continuei fazendo o mesmo, só que com briefing meu. E me dediquei à pintura. Depois de anos de pressão, prazos e concorrência, aquele espaço me fez ouvir coisas que eu não ouvia. E esse silêncio alimenta a criatividade.
Você ainda fica de olho nas propagandas? Eu saí completamente, deixei de acompanhar campanhas e passei a ver publicidade como consumidor comum. Não quis ficar olhando para trás. No Havaí, gosto pegar onda grande, tomar meus caldos e pintar. Foi um novo aprendizado.
Depois de uma década longe, como você enxerga a publicidade hoje? Mudou. É outro animal. A gente saiu da mídia de massa, daquele ambiente onde você criava uma campanha e ela era imediatamente decodificada por milhões de pessoas. A propaganda deixou de ser a conversa de botequim do Brasil, aquela que todo mundo entendia e comentava. Hoje, as pessoas vivem em bolhas, e é difícil falar com tanta gente ao mesmo tempo e ser interessante. Com a mídia social, as campanhas têm uma vida muito curta, por isso não é fácil entrar na memória afetiva das pessoas. As propagandas deixaram de buscar a eternidade e hoje se contentam com a perenidade.
A publicidade ficou mais careta? A sociedade em si ficou. A publicidade hoje está mais policiada. O curioso é que, mesmo falando com pequenos grupos, onde deveria haver mais liberdade, ela está mais careta. As marcas têm medo do coice e ficam conservadoras.
Entre tantas campanhas marcantes, qual te representa mais? As da Havaianas. Foi um trabalho longo e constante, de 1993 a 2015. Uma construção de linguagem que ainda vale hoje. O bom trabalho é aquele que passa no teste do tempo. Se uma campanha continua relevante 10, 20, 30 anos depois, ela cumpriu sua função: virou memória afetiva.
Que propaganda você acha que ainda pode “parar tudo”? Hoje é complicado. Qualquer campanha que fuja do padrão, que procure provocar as pessoas algum sentimento que vá além da autoajuda. Quando criarem uma campanha que vá na direção contrária de tudo isso, vão ter chance de funcionar. Mesmo assim, o algoritmo pode ser cruel e te colocar nas sombras.
No livro, você fala sobre greenwashing. O que isso representa hoje? O greenwashing, assim como o socialwashing e lifestylewashing, sempre me incomodou. Lembro, na minha época, de todas as campanhas querendo salvar o planeta, como se o ser humano pudesse fazer isso. As marcas fingem que estão fazendo algo pelo bem e as pessoas fingem que acreditam que elas estão fazendo alguma coisa por isso. É um discurso vazio. Se continuarem assim, serão expostas pela hipocrisia.
Qual foi o último trabalho que fez? Como diretor de criação, foi a despedida da kombi. Fiz também um trabalho com o Fernando Henrique Cardoso sobre política de drogas.
Como a publicidade entra nesse debate? A publicidade entra quando a sociedade está preparada para falar sobre o assunto e dá um gás. No caso das drogas, a propaganda cometeu um erro grave no passado. As campanhas feitas por conservadores diziam que droga matava, que era um monstro. Mas as pessoas experimentavam e viam que não era assim. É lógico que mata, mas não todos. A comunicação em preto e branca que usavam, e que até hoje existe, não ajuda em nada. Na campanha do Quebrando o Tabu, eu falava que era enxugar gelo. Primeiro tem que mudar o mindset para depois chegar nisso.
E depois de tantos anos de carreira, o que ainda te dá prazer de ver? Eu vejo de tudo, sou um consumidor viciado de cinema e televisão. Mas o que realmente me alimenta hoje é a arte. Tudo que é estímulo visual me alimenta. A imagem continua sendo o centro da minha vida.
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