A poesia que permeia a trajetória artística de Gilberto Gil foi tema de uma conferência da Academia Brasileira de Letras (ABL), nesta quinta-feira, 25. Apresentado ao público que lotou o auditório pelo também poeta e membro imortal Carlos Nejar, o cantor e compositor fez uma análise sobre a poética presente nas suas músicas. “Escolhi, dentre as centenas, algumas canções para comentá-las aqui. Das primeiras safras que foram reunidas, seleciono Felicidade vem depois, um samba bossa-nova da minha juventude, é a música que considero a minha primeira composição. Só a bossa-nova me trouxe claramente a ideia da canção de autor.”
Gil relembrou também o período da ditadura militar no Brasil, o qual rendeu inúmeras de suas composições. “No encarceramento no quartel da Polícia Militar, aqui em Marechal Deodoro, um dia o sargento Juarez pede autorização ao comandante do quartel para trazer um violão para mim, e traz. Nesse violão eu faço algumas canções. Cérebro Eletrônico é uma delas. ‘O cérebro eletrônico faz tudo, faz quase tudo, quase tudo, mas ele é mudo.’.A quem dera, fosse o tempo, hoje ele fala. Naquele tempo a gente rejeitava a possibilidade de sermos domesticados pela máquina. Vitrines é uma outra. Futurível é a que mais achei interessante, ali na cela, ao lado de Ferreira Gullar, Antonio Callado, outros que tinham sido presos também e eu ficava ali com o violão. Na casa da mãe de Gal (Costa), em Ipanema, começou a ideia de Aquele Abraço. Finalmente eu poderia ir embora do país e tinha que dizer ‘bye, bye’, em uma espécie de catarse”.
Ele também destaca a canção Cálice, feita em parceira com Chico Buarque. “Era uma Sexta-feira Santa e nós marcamos um encontro no sábado, no apartamento dele na Rodrigo de Freitas. Pensei em levar alguma proposta e, um dia antes, sentei e me concentrei. A ideia do cálice de Cristo me seduziu. Em seguida, escrevi a primeira estrofe. No sábado mostrei o que tinha feito. Quando cheguei ao refrão, ele percebeu a ambiguidade e associou com o ‘cale-se’, no sentido da censura”.