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Thomas Traumann é jornalista e consultor de risco político. Foi ministro de Comunicação Social e autor dos livros 'O Pior Emprego do Mundo' (sobre ministros da Fazenda) e 'Biografia do Abismo' (sobre polarização política, em parceria com Felipe Nunes)
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Rui Costa é bode expiatório de um problema maior

Desarticulação da base do governo no Congresso tem origem na disputa por verbas do orçamento

Por Thomas Traumann Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 15 Maio 2023, 15h24 - Publicado em 15 Maio 2023, 10h45

Em Brasília, há sempre uma resposta simples para perguntas complexas. Quem é o culpado da desarticulação da base governista no Congresso? O ministro Rui Costa. Por que existe na Casa Civil uma fila de quase 200 nomes indicados pelos partidos para cargos nos ministérios? A demora de Rui Costa. Por que o governo Lula demorou quatro meses para empenhar as emendas dos parlamentares? Rui Costa. De quem foi a ideia de baixar um decreto para mudar regras do Marco do Saneamento, aprovadas pelo Congresso em 2020? Rui Costa! Quem estava com Lula quando ele decidiu assinar a Ação Direta de Inconstitucionalidade contestando no Supremo Tribunal Federal trechos da privatização da Eletrobras? Rui Costa. E por que os ministros do governo Lula batem cabeça e agem de modo descoordenado? Lógico que a resposta é… Rui Costa.

Governador da Bahia por oito anos, com experiência de menos de dois anos na Câmara dos Deputados em 2011 e 2014, Costa chegou a Brasília com poucos amigos. Quatro meses depois, não fez nenhum novo amigo e perdeu os poucos que tinha.

Brigou com o padrinho Jaques Wagner, que criticou a nomeação da mulher do ministro ao Tribunal de Contas do Estado, trombou com Fernando Haddad na reoneração do PIS/Cofins, atropelou o União Brasil ao vetar a indicação do adversário local Elmar Nascimento ao ministério, bateu de frente com Gleisi Hoffmann nas indicações para o Conselho de Administração da Petrobras, irritou a primeira-dama Janja da Silva ao argumentar que ela não deveria ter um cargo formal no governo e se desentendeu com praticamente todos os colegas de Ministério com a demora da Casa Civil na nomeação dos indicados aos cargos em comissão, que por lei só são efetivadas depois do aval da Casa Civil. O decreto do Executivo mudando o Marco do Saneamento (e que causou a maior derrota do governo Lula até aqui) tem motivos paroquiais. Só saiu para impedir que a prefeitura de Salvador, do União Brasil, abra licitação de concessão de água e esgoto independente da companhia de saneamento da Bahia, do governo do PT.

Nesta semana, todos os dedos de acusação sobre o início tumultuado da gestão Lula apontavam para Rui Costa. Irritado por não ter sido avisado da indicação de Gabriel Galípolo ao Banco Central, o cordato presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, deixou Costa aguardando na sala de espera do gabinete. Sem ser recebido por Pacheco, Costa fez reunião com alguns líderes no Senado para tentar convencê-los a não aprovar o decreto legislativo que limita o poder do governo de mudar o Marco do Saneamento. Na prática, não avançou em nada, mas no dia seguinte, deu entrevista à Andréia Sadi, da Globonews, em tom mais humilde:

“Temos que reconhecer um erro nosso. Eu tinha pedido duas ou três vezes que nós fizéssemos antecipadamente uma reunião com os líderes para apresentar o decreto (do saneamento) e, pelo excesso de trabalho e pela agenda dos parlamentares (da Câmara), nós não conseguimos fazer essa reunião com antecedência. E permitiu que a desinformação tomasse conta. Estamos corrigindo isso agora no Senado e, de forma antecipada, reunindo com os líderes”. Na mesma entrevista, Costa reconheceu atrasos na liberação das emendas.

Tudo ia bem na entrevista, até Costa justificar a decisão de Lula de recorrer ao STF contra as regras da privatização da Eletrobras, aprovada na Câmara e no Senado, porque o leilão tinha “um cheiro ruim de falta de moralidade”. O projeto da privatização (que de fato teve regras esdrúxulas) teve como relator Elmar Nascimento, que ocupa ao mesmo tempo o cargo de líder formal dos 59 deputados do União Brasil e de porta-voz informal dos 200 deputados do Centrão na Câmara. O União Brasil é o maior problema da base do governo Lula. Apesar de ter três ministérios (Comunicações, Integração Regional e Turismo), não entrega nem 30 votos ao governo. Era a hora de provocar o líder do partido? Não.

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Ao longo da semana, a possibilidade de demissão de Costa passou a ser falada em voz alta. Circulavam os nomes de Fernando Haddad, Jaques Wagner e Alexandre Padilha como eventuais substitutos. Na quinta-feira, sabendo do ataque especulativo, Lula elogiou Costa em discurso na Bahia. “O Rui toma conta do governo. Tudo o que vai para mim passa pelo Rui primeiro”, disse Lula. No mesmo discurso, numa comparação que o presidente considera elogiosa, Lula disse que Costa é sua “Dilma de calças”.

A relação do governo Lula com o Congresso tem problemas conjunturais e estruturais. Os conjunturais são a demora de o novo governo entrar no ritmo depois de herdar terra arrasada da gestão anterior. O governo Bolsonaro deixou de pagar mais de R$ 1 bilhão em emendas individuais que só agora começaram a ser quitadas. No total, foi autorizado o pagamento de R$ 1,3 bilhão neste ano, mas entre o empenho e a liberação vai-se um tempo. Enquanto esse dinheiro não chegar nas prefeituras, o humor dos deputados não melhora.

Esta é só a ponta do iceberg. Estruturalmente, o Congresso de 2023 tem mais poder do que nos oitos anos dos dois mandatos de Lula e por isso a distribuição de ministérios não funciona mais.

Desde 2015, os congressistas se deram o direito de distribuir emendas individuais, por bancada e, finalmente, através do famoso orçamento secreto. Isso assegurou aos congressistas o direito de distribuir mais de R$ 30 bilhões do orçamento sem interferência do governo. Os amigos de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco chegaram a ter cada um quase R$ 100 milhões em emendas para dispor como quisessem. Os inimigos, R$ 20 milhões. De qualquer modo, sem precisar telefonar de joelhos para nenhum ministro, os congressistas decidiam qual prefeitura iria ganhar quanto para qual obra. Esse sistema de vereadores federais aumentou o índice de reeleição dos deputados de 53% para 60% no ano passado.

A decisão do STF de considerar o Orçamento Secreto ilegal impede o esquema de distribuição sigilosa continuar, mas não o desejo dos congressistas de manter o seu poder. Enquanto o governo Lula não criar um sistema substituto de compartilhamento de parte do Orçamento com os congressistas, ele vai seguir acuado.

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Existem ainda dois agravantes. O primeiro é a personalidade de Arthur Lira, que sob Bolsonaro operava como um primeiro-ministro e ainda não se acostumou com os novos tempos. Nos tempos de Bolsonaro, a principal assessora de Lira, Mariângela Fialek, a “Tuca”, chegava ao gabinete da ministra Flávia Arruda com uma tabela Excel com os nomes dos deputados que deveriam receber as emendas. Sob Bolsonaro, o que Tuca dizia era ordem. No governo Lula, Tuca não consegue sequer despachar com o ministro Alexandre Padilha.

Como ressaltou o cientista político Sérgio Abranches em entrevista a O Globo, há um aspecto institucional. Os partidos hoje são mais divididos e com lideranças pulverizadas. Isso significa que, ao contrário do que ocorria nos governos FHC e Lula, um ministro não representa mais uma bancada de 60 deputados, mas no melhor dos casos uma ou duas dúzias de deputados. Disse Abranches:

“O engano foi imaginar que o único problema do Orçamento Secreto era a falta de transparência, quando a questão mais crítica é a entrega de nacos cada vez maiores do orçamento para quem só quer beneficiar a própria base. O ecossistema legislativo se tornou mais adverso. Não adianta dar ministério, nisso Lira tem razão, porque todo mundo está na expectativa de ter emenda.”

“No atual momento, estamos numa transição na qual não há solução boa. O governo só consegue aprovar medidas negociadas caso a caso, compartilhando a decisão com os presidentes da Câmara e do Senado, que também ficaram com menos poder.”

Centralizador, direto no trato no limite da grosseria e operando mais como um cumpridor de ordens do presidente do que um coordenador de ministros, Costa merece parte das críticas que recebe. Age na Casa Civil como se fosse um governador, sem dar satisfações aos colegas e numa postura com o Congresso de quem no cargo anterior tinha controle total sobre os deputados. Como no famoso axioma do jornalista americano H. L. Mencken, contudo, todos os problemas complexos têm respostas simples. E erradas. Costa é o alvo porque os mesmos políticos que o atacam não têm solução fácil. Bolsonaro resolveu terceirizando parte do seu governo para Arthur Lira. Lula não vai fazer isso, mas enquanto não achar uma alternativa vai se manter minoritário no Congresso.

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