A primeira vítima da prisão do ex-policial militar Fabrício Queiroz é o apoio do presidente Jair Bolsonaro nos quartéis. O estranhamento vinha crescendo com as seguidas ameaças do presidente de uma intervenção militar em reação às decisões do STF, piorou quando os militares descobriram que a imagem das Forças Armadas estava indo ladeira abaixo com a nomeação do general Eduardo Pazuello para o Ministério da Saúde e ultrapassou os limites com Queiroz. Para muitos generais, apoiar este governo é uma missão, mesmo quando envolve o constrangimento de distorcer os números de mortos por Covid-19. Agora, responder sobre rachadinhas é outra história.
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Clique e AssineO primeiro efeito deste abalo no apoio é o silêncio do presidente. Depois de passar domingo sim, domingo também, desafiando a ciência e as leis locais para participar de atos pela volta da ditadura, Bolsonaro mudou seu estilo depois da prisão de Queiroz. O presidente demitiu o ministro Abraham Weintraub para tentar apaziguar o Supremo e, quando o agrado falhou, enviou três ministros da uma constrangedora visita de cortesia ao ministro do STF Alexandre de Moraes. O presidente faltou ao evento golpista de domingo, negocia a indicação de um ministro da Educação que sabe ler e escrever e forçou o afastamento do espalhafatoso advogado Frederick Wassef, o anfitrião de Queiroz em Atibaia, da defesa do filho Flavio. É um Bolsonaro apaziguador inacreditável até semanas atrás.
A prisão de Queiroz e as seguidas entrevistas do advogado Wassef deixaram Bolsonaro no canto do ringue. De repente, ressurgiu todo o passado de histórias mal contadas dos Bolsonaros para se sustentar, ao mesmo tempo em que a tropa de choque da militância digital se recolhia com medo de também ser presa em outros inquéritos. O advogado Wasef passou os dias prometendo “esclarecer tudo no futuro”, frase lida em Brasília como uma ameaça.
O escândalo acirrou as divergências entre os oficiais que defendiam a incorporação do Exército no governo, liderados pelo general ministro Luiz Ramos, e os que consideram que as Forças Armadas precisam se preservar. Almirantes e brigadeiros que já se ressentiam da postura do general Ramos passaram a critica-lo abertamente nas conversas internas. Generais da ativa que tentavam manter uma equidistância entre as duas alas, agora se posicionam a favor de uma postura “profissional”, o sofisma para um afastamento gradual do governo. Em coluna no jornal Valor, a repórter Andrea Jubé mostrou que, com Queiroz, até os grupos de WhatsApp das mulheres dos oficiais já se voltou contra o presidente.
Essa mudança tem um impacto na vida política. A mais óbvia é: não vai ter golpe, ou seja, nas condições atuais, o presidente não tem a liderança moral sobre as Forças Armadas para fazer as tropas deixarem os quarteis e prenderem quatro ou cinco ministros do Supremo, como pede a sua militância extremista.
Até algumas semanas atrás havia, no mínimo, um terço do Alto Comando disposto a uma aventura, convencidos de que Bolsonaro não conseguia governar por limitações do STF. A Terra, nesse meio tempo, girou. A inépcia do governo na resposta à pandemia ficou óbvia, a queda de Luiz Mandetta e Sergio Moro tiraram do governo a aceitação da classe média e a volta de Queiroz fez muitos lembrarem de onde Bolsonaro surgiu.
Esse afastamento não significa que os militares vão embarcar em uma conspiração a favor do vice, general Hamilton Mourão. Apenas que não se deixarão mais serem usados como espantalhos de uma intervenção que não virá.
Bolsonaro terá agora de governar com um Supremo que investiga o financiamento ilegal de uma rede youtubers, disparos de WhatsApp e manifestações pela volta da ditadura, suspeita de doações ilegais para a campanha de 2018 e, agora, rachadinhas. Tudo isso sem ter a carta da intervenção militar na manga.