O novo reajuste de preços do óleo diesel e da gasolina, o terceiro em seis meses, torna evidente a falta de instrumentos do governo Bolsonaro para controlar a inflação e gera uma pergunta, como seria num eventual governo Lula?
Em sua propaganda de TV, Lula prometeu “abrasileirar os preços dos combustíveis”, um eufemismo para abandonar a paridade com as variações internacionais. No rascunho do programa de governo, o tom também é genérico: “no caso dos preços dos combustíveis e tarifas de energia elétrica é necessário implementar políticas que envolvam a consideração dos custos de produção no Brasil, os efeitos sobre os orçamentos dos consumidores e a expansão da capacidade produtiva setorial”. O PT ainda não traduziu esses conceitos em linguagem comum.
Entre as ideias debatidas no entorno de Lula é consenso que o preço cobrado pela Petrobras pela sua gasolina deve ser baseado nos custos de extração nas suas plataformas no Brasil e não na cotação do mercado internacional. Como cerca de 70% do óleo consumido no Brasil é produzido aqui, essa alteração iria ao mesmo tempo segurar os preços nos postos e derrubar os lucros da Petrobras. No primeiro trimestre, a Petrobras teve um lucro líquido de US$ 8,6 bilhões, o maior do mundo as companhias petroleiras. A proposta terá forte impacto nas ações da Petrobras e vai gerar o primeiro embate do mercado com o eventual governo Lula 3.
Outro tema de debate na campanha Lula é o projeto substitutivo do senador petista Jean Paul Prates, que cria um imposto sobre as exportações da Petrobras para financiar um fundo para compensar as variações internacionais, experiência inspirada no sistema chileno de preços do cobre. Além do novo imposto, o fundo seria financiado por parte dos dividendos da Petrobras que a União recebe por ser maior acionista e pelas participações da União nos regimes de concessão e de partilha. Pelo relatório de Prates, o Executivo definirá limites mínimo e máximo para os preços dos derivados de petróleo. Quando os preços de mercado estiverem abaixo do limite inferior da banda, os recursos correspondentes à diferença serão acumulados no fundo; quando estiverem acima do limite superior, o fundo servirá para manter o preço para o consumidor dentro da margem.
Para entender a natureza do que pode vir a ser um eventual terceiro governo Lula mais importante do que saber quem será o indicado para ministro da Fazenda será conhecer o novo presidente da Petrobras. Lula já indicou que seu possível ministro da Fazenda será um político com experiência de governo e que irá trabalhar por pelo menos dois anos com o atual presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Será um ministro que vai assumir sem os mecanismos de juros e câmbio, prerrogativas do BC, sob enorme pressão popular para aumentar gastos sociais e desconfiança do mercado sobre responsabilidade fiscal. O presidente da Petrobras em um possível governo Lula terá desafios da mesma dimensão.
É impossível explicar a história política da última década sem a Petrobras. A estatal representou até 75% dos investimentos federais em grandes obras no segundo governo Lula e no primeiro de Dilma Rousseff. A descoberta do pré-sal reformulou toda a cadeia de óleo. A Petrobras chegou a ter mais de US$ 130 bilhões de dívidas, uma das maiores do mundo. Havia obras em quase metade dos Estados e só o setor de marketing tinha um orçamento de R$ 5 bilhões que mantinha de atletas olímpicos à projetos de preservação de tartarugas marinhas, orquestras sinfônicas, equipes de Fórmula Um, catadores de caranguejo e formação de professores de escolas primárias. Foi a partir da Petrobras que surgira as investigações da Operação Lava Jato que fermentaram o impeachment em 2016. Em 2014 e 15, a Petrobras reconheceu formalmente mais de R$ 6 bilhões em perdas por corrupção e R$ 32 bilhões pela política de congelamento informal de preços. O prejuízo somado nos dois anos foi de R$ 57 bilhões. Uma ação da Petrobras valia menos que coco na praia.
O governo Temer assumiu em 2016 e mudou a Petrobras. A política de preços dos combustíveis no Brasil passou a obedecer a variação do mercado internacional. Isso recuperou a credibilidade da empresa junto ao mercado, mas tirou o controle estatal sobre os preços nas bombas. Em protesto contra a alta do diesel, em junho de 2018 os caminhoneiros pararam o Brasil, movimento que desmontou a economia e ajudou na eleição de Bolsonaro.
Quatro anos depois, a mesma política de preços do governo Temer acelerou a inflação que corroeu a popularidade de Bolsonaro. Se perder as eleições em outubro, Bolsonaro sabe que parte da culpa está na bomba dos combustíveis. Até agora, a rotatividade de presidentes da Petrobras e de projetos improvisados para baixar os preços de óleo diesel e gasolina adiantaram pouco.
Errar na Petrobras pode ser fatal para qualquer presidente.