A pesquisa Datafolha com Lula da Silva vencendo as eleições já no primeiro turno mudou o ritmo de todas as campanhas. O PT aumentou a pressão para fechar acordos nos estados, a base bolsonarista deve aprovar no Senado um corte de impostos estaduais para baixar o preço da gasolina e PDT e MDB estão em dificuldades para impedir que suas bancadas desistam das candidaturas próprias.
A reação é compreensível. Com o fim do Ibope, o Datafolha é a empresa de pesquisa de maior impacto político. A possibilidade de um resultado no primeiro turno, porém, deve ser analisada com cautela. Obter a maioria de votos no primeiro turno depende de o PT aprender a superar a onda antivermelha das eleições de 2006, 10, 14 e 18.
Compare os votos válidos de Lula, excluindo, portanto, quem decide pelo nulo e branco, nas seis principais pesquisas divulgadas em maio (em parêntese o dia de divulgação da pesquisa):
BTG/FSB (30/05) – 51,1%
XP/Ipespe (27/05) – 47,8%
Datafolha/Folha de S. Paulo (26/05) – 54%
PoderData/Poder360 (25/05) – 47,7%
Ideia/Exame (20/05) – 46,5%
Genial/Quaest (17/05) – 48,9%
Os métodos das sondagens são distintos: o Datafolha faz entrevistas nas ruas e a Quaest nos domicílios, enquanto Ipespe, FSB, PoderData e Ideia coletam os dados por telefone.
Embora tenham variações numéricas, todas detectaram a mesma tendência. Lula abre vantagem sobre todos no primeiro turno e vence facilmente qualquer adversário no segundo turno. Os eleitores consideram a economia o maior problema do país e a maioria desaprova a gestão Bolsonaro. Após a saída de Sergio Moro da disputa, Bolsonaro ganhou tração em março, mas depois estabilizou.
Há um consenso também nas pesquisas que Bolsonaro está perto do seu teto de votos. A diferença entre as intenções de voto do presidente no primeiro para o segundo turno varia apenas na margem de erro. Já Lula ganha 5 a 7 pontos percentuais num eventual segundo turno, especialmente com a adesão por gravidade dos eleitores de Ciro Gomes.
O timing hoje é de Lula, mas a vitória em primeiro turno depende de uma capacidade de concessão ao centro que o PT não tem demonstrado. O partido até aceita ceder alguns palanques estaduais, mas não indica querer repartir o poder em um terceiro governo Lula. É pouco crível imaginar que ex-adversários do PT vão emprestar apoio se não souberem que se sentarão à mesa de decisão num futuro governo. Não existe almoço grátis na política.
Hoje a campanha Lula se baseia em um único e importante mote, “não somos Bolsonaro”. Pode render a vitória, mas parece insuficiente para atrair o eleitor que votou em Bolsonaro e está arrependido.
Com o Datafolha, as táticas que Lula e Bolsonaro imaginavam guardar para o segundo turno serão antecipadas. A lógica do marketing de Lula será ignorar a existência de outros candidatos e fixar a campanha na comparação direta com Bolsonaro na economia, combate à miséria, respeito às instituições, ambiente, relações externas e serviços públicos. A palavra mais repetida na propaganda lulista será “reconstrução”.
Para Bolsonaro, o desafio é hercúleo. Se nada for feito para dar uma expectativa econômica melhor, a eleição está perdida. O auxílio emergencial não trouxe o resultado eleitoral imaginado, e mesmo entre os beneficiários do programa o presidente perde numa relação de 7 a 3. A retomada econômica pós-fim da pandemia de Covid ainda está concentrada no agronegócio e nas obras de governos dos Estados. Mesmo as melhoras de indicadores estruturais, como a criação de vagas de empregos formais, são graduais e baseadas em salários mais baixos. Fora do mundo mágico do ministro Paulo Guedes, ninguém está otimista.
O governo não tem uma pauta que controle da inflação e reage com medidas paliativas. As intervenções na Petrobras não mudaram a política de preços da companha, o corte no imposto de importação de alimentos não alterou os custos da cesta básica e os contratos das concessionárias de energia e das empresas de plano de saúde preveem altas acima da inflação. Embora o Banco Central trabalhe com uma queda no ritmo da inflação no segundo semestre, está claro que a sensação geral da população em outubro ainda será ruim.
Para os demais candidatos, junho e julho serão meses de vida ou morte. Com Lula perto dos 50% e Bolsonaro apostando no tudo ou nada, Ciro Gomes, Andrés Janones e Simone Tebet vão sofrer resistências dos seus partidos. Senadores e deputados preferem gastar em suas próprias campanhas o dinheiro reservado para as candidaturas presidenciais que rumam ao fracasso.
A onda antivermelha
Um pouco de história eleitoral:
Um dia antes do primeiro turno das eleições de 2006, o então presidente Lula da silva tinha 50% dos votos válidos na pesquisa Datafolha ante 38% de Geraldo Alckmin. Aberta as urnas, o resultado foi de 48,6% contra 41,6%.
Um dia antes do primeiro turno de 2010, Dilma Rousseff tinha 52% das intenções de votos válidos. Nas urnas, ela teve 46,9%. Marina Silva que tinha 17% na pesquisa, teve 19,3% dos votos. José Serra foi 31% na pesquisa para 32,6% nas urnas.
Um dia antes do primeiro turno de 2014, candidata à reeleição, Dilma Rousseff tinha 44% das intenções de voto no Datafolha na véspera do primeiro turno contra 26% de Aécio Neves. Nas urnas, Dilma teve 41,5% e Aécio 33,5%.
Um dia antes do primeiro turno de 2018, Jair Bolsonaro aparecia com 40% dos votos válidos e Fernando Haddad com 25% na pesquisa. No resultado, Bolsonaro teve 46% e Haddad 29,28%.
Cada uma dessas variações tem explicações ligadas a acontecimentos da última semana de campanha. Exceto 2018, no entanto, todas mostram que as intenções captadas pelas pesquisas para os candidatos do PT não se traduzem em votos, com um crescimento dos votos do adversário na reta final.
É um tema a ser investigado. Uma explicação possível está na alienação eleitoral de parte dos simpatizantes do PT, numa maior mobilização dos adversários (como se viu em 2014) ou na estratégia do voto útil (que favoreceu Bolsonaro em 2018). Mas indica a cautela que o PT deve ter nas comemorações do Datafolha.