O cordato presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, se pintou para a guerra. Nas últimas semanas, ele aprovou o marco temporal para demarcação de terras indígenas, anunciou apoio a projeto que restringe as possibilidades de aborto legal, permitiu a aprovação simbólica na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) de projeto limitando o mandato dos futuros ministros do STF e regulando as decisões monocráticas na Corte e deixou que a mesma CCJ segurasse a aprovação da indicada de Lula para o Superior Tribunal de Justiça — todas medidas de conflito aberto com o STF.
Ao mesmo tempo, Pacheco deixou morrer a reforma eleitoral aprovada pela Câmara dos Deputados que anistiava os partidos multados por não cumprir a distribuição mínima de verbas para candidatas mulheres e negros. Indicou ainda que vai pautar o fim da reeleição para presidentes e governadores.
Com Pacheco, a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) virou um pesadelo para a área econômica de Fernando Haddad. Projetos como da votação do CARF (o tribunal de recursos da Receita Federal) e do Desenrola (de renegociação de dívidas) só foram aprovadas no último minuto e depois de generosa liberação de emendas. O relatório da reforma tributária, um dos eixos das boas notícias econômicas do governo Lula, foi adiado para 20 de outubro e dificilmente haverá votação antes do fim de novembro. Como haverá mudanças e o texto voltará à Câmara, cresceu a possibilidade de a reforma não ser promulgada neste ano.
Para um político cuja maior qualidade é a moderação quase bovina, as ações de Pacheco refletem um incômodo de quem tenta recuperar o protagonismo perdido. Várias camadas de mágoa, defesa de interesses legítimos, chantagem e oportunismo político explicam a posição do presidente do Senado. Vamos a elas:
A premissa para entender Rodrigo Pacheco é que ele é o outro lado da moeda do senador e presidente da CCJ, David Alcolumbre. Os dois atuam em parceria. Pacheco posa como estadista, enquanto Alcolumbre é um homem de negócios. Juntos eles controlam os poderosos ministérios da Integração Regional e Minas e Energia, três cadeiras no Conselho de Administração da Petrobras, além da pauta do Senado.
Alcolumbre é candidato à sucessão de Pacheco em fevereiro de 2024 e acredita firmemente que busca um acordo com os senadores bolsonaristas. A pauta contra índios, aborto e STF é uma tentativa de indicar que a Casa será conservadora nos costumes e será um freio ao Supremo. Tanto Pacheco quanto Alcolumbre acreditam que foram fundamentais para segurar os ímpetos do governo Bolsonaro contra o STF, mas que não receberam o devido reconhecimento.
Meses atrás, os ministros do STF Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes chegaram a defender a possibilidade de o presidente Lula da Silva indicar Pacheco para a vaga de ministro do STF que seria aberta com a aposentadoria de Rosa Weber. Quando viram que Lula não iria comprar a ideia, os dois correram para apoiar o ministro da Justiça, Flávio Dino. Pacheco se sentiu traído. Tenta ainda que o presidente indique o presidente do Tribunal de Contas da União, Bruno Dantas — o que hoje parece improvável.
Sem poder indicar o próximo ministro do STF, os dois tentam ao menos serem ouvidos para a indicação do próximo procurador-geral da República. Por isso, a demora na votação da indicação ao STJ, os sustos na CAE e o desinteresse com a reforma tributária.
A relação de Pacheco com Lira é péssima. O presidente da Câmara fraudou a Constituição ao manobrar para que os partidos não indiquem representantes na Comissão Especial do Congresso, responsável por avaliar as medidas provisórias. Sem comissão especial não há relatório e a MP não vai para frente. Isso forçou o governo Lula a preferir enviar projetos de lei com urgência, que sempre iniciam sua tramitação pela Câmara e depois vão para o Senado. Se forem mudados, voltam para a Câmara, ou seja, os deputados têm sempre a última palavra. A reação de Pacheco tem sido não colocar em votação projetos de interesse de Lira, como a anistia aos partidos na reforma eleitoral.
É no embate com o STF, no entanto, que Pacheco revela seu cálculo. “Cada vez que eu entro numa padaria em Minas Gerais as pessoas reclamam do STF. Se eu colocasse para votar o impeachment de um dos ministros estava eleito o que eu quisesse em 2026”, disse Pacheco a um amigo. As propostas agora defendidas por Pacheco — mandato fixo para ministros e regulação de decisões monocráticas — seriam as menos radicais dentro do Senado. Por essa perspectiva, não pautar impeachment, nem abrir investigações contra o STF seria um gesto de “moderação”. Dez ministros do STF discordam, mas se o projeto for à votação será aprovado por larga maioria.
A ofensiva de Pacheco contra o STF é um contrassenso, como mostrou o colunista da Folha, Celso Rocha de Barros, “antes de defendermos que o STF devolva poderes ao Congresso, precisamos perguntar: os congressistas já criaram coragem para usá-los no caso de nova ameaça golpista? Na última vez, ficaram quietos em troca de orçamento secreto e deixaram o trabalho para Alexandre de Moraes”. É como se Pacheco e Alcolumbre tentassem devolver o STF de volta ao seu lugar institucional ignorando o que aconteceu em 8 de janeiro.
Formalmente aliado de Lula, Pacheco quer deixar de ser tomado como um apoio garantido do Planalto. Ora age como se quisesse ser candidato a governador de Minas por uma aliança lulista, ora como preferisse um cargo vitalício no STF ou TCU. De qualquer modo, ele exige uma atenção e cuidado que acredita que o governo não está lhe dando.
Com as equipes econômica e política do governo Lula completamente absorvidas pelas idas e vindas do Centrão de Arthur Lira e o Supremo atuando com uma unidade única na última década, a ação de Pacheco chega para embaralhar a dinâmica do poder em Brasília.