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Thomas Traumann

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Thomas Traumann é jornalista e consultor de risco político. Foi ministro de Comunicação Social e autor dos livros 'O Pior Emprego do Mundo' (sobre ministros da Fazenda) e 'Biografia do Abismo' (sobre polarização política, em parceria com Felipe Nunes)
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O que o episódio Mauricio Souza ensina sobre a campanha 2022

Apoio à demissão de jogador por declaração homofóbica mostra que bolsonarismo perdeu monopólio nas redes sociais

Por Thomas Traumann Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 31 out 2021, 16h12
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  • O episódio que melhor retrata o espírito do tempo brasileiro de outubro de 2022 é a demissão do jogador de vôlei Maurício Souza, afastado do Minas Tênis Clube por pressão dos patrocinadores depois de postar declarações homofóbicas na sua conta no Instagram, então com 200 mil seguidores. No dia 12 de outubro, Maurício postou comentário em tom preconceituoso sobre anúncio feito pela DC Comics de que o novo Super-Homem, filho de Clark Kent, se assumiria bissexual. O desenho mostrava o Super-Homem Júnior beijando outro homem. “É só um desenho, não é nada demais. Vai nessa que vai ver onde vamos parar”, escreveu. A mensagem causou indignação. Em uma semana, a agência Quaest registrou mais de 15 milhões de menções ao episódio nas redes sociais_ 70% contra o jogador e a favor da punição.

    Pressionada por uma campanha nas redes sociais, a principal patrocinadora do Minas, a montadora Fiat, exigiu que o clube e o atleta se retratassem. O clube fez uma nota insípida sobre “liberdade de expressão”. O atleta criou nova conta às pressas (com menos de 50 seguidores) para dizer o típico peço desculpas “a quem se ofendeu” (que é o mesmo dizer que a culpa é não é dele, mas de quem o interpretou mal). Descoberto, o jogador defendeu “valores da família” e atacou o colega de seleção brasileira Douglas Souza, que é homossexual e defendeu sua punição. irritadas com a falsidade das desculpas, Fiat e a segunda patrocinadora do Minas Tênis, a siderúrgica Gerdau, ameaçaram encerrar o contrato de patrocínio.

    O Minas Tênis Clube é o clube da elite de Belo Horizonte. Seus sócios são, em sua maioria, bolsonaristas e pressionaram a diretoria para ignorar as pressões. O clube de esporte é pentacampeão sul-americano, tem uma torcida de centenas de milhares de pessoas, que majoritariamente defenderam a punição em posts e tuítes ao longo da semana. Sem Fiat e a Gerdau, a mensalidade do clube passaria de R$ 300 para R$ 1.500, o que seria insustentável. Contra a parede, a diretoria do minas demitiu o jogador, que se despediu como mártir do politicamente correto e ganhou 700 mil novos seguidores em três dias. Mais apoios viriam depois.

    O episódio envolvendo Maurício Souza é significativo porque as opiniões do jogador sobre um personagem bissexual fictício não têm a menor importância. Mesmo assim, a repercussão do post transformou o caso no principal assunto das redes sociais brasileiras na semana em que o presidente da República afirmou que vacinas contra Covid causam aids, o governo não conseguiu aprovar o novo Auxílio de R$ 400 e o Banco Central reconheceu que pode perder controle da inflação do ano que vem. Como um caso tão desimportante ganha tanta atenção?

    Primeiro, o fascínio das pessoas sobre o caso foi semelhante ao escapismo de um reality-show, com os modelos de personagens esquemáticos que podem ser vistos por ângulos completamente distintos. Para os que consideram o post homofóbico, Maurício Souza é um vilão típico, Douglas Souza é o mocinho e a reação da comunidade GLBTQIA+ nas redes sociais um sopro de civilidade.

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    Para os que consideraram a demissão um exagero, Maurício Souza é uma vítima do politicamente correto, os jogadores da seleção que o condenaram um grupo de oportunistas e os patrocinadores fantoches manipulados pela mídia. Uma novela de dez dias que gerou paixões e obrigou todos a tomarem partido.

    A segunda é a política, matéria-prima deste colunista. O 70$ a 30% nas redes sociais foi a maior derrota do bolsonarismo no mundo virtual desde 2018. Um dos efeitos do surgimento de Bolsonaro foi tirar do armário e naturalizar uma série de opiniões misóginas, homofóbicas, racistas e xenófobas. Em 2018, as imbecilidades do escritor Olavo Carvalho eram levadas a sério e as reclamações das minorias eram descartadas como mimimi. À época, declarações como as de Maurício Souza de hoje seriam esquecidas em trinta minutos. Em setembro de 2018, quando os movimentos feministas organizaram um protesto com o slogan “Ele Não”, o efeito nas pesquisas foi o aumento das intenções de voto em Bolsonaro.

    No sábado (30/10), o deputado Eduardo Bolsonaro lançou uma campanha para que o jogador chegasse a 2 milhões de seguidores no Instagram. No domingo (31/10), o perfil de Maurício Souza chegou a 2,1 milhões de seguidores, com apoio ostensivo da eficiente máquina digital bolsonarista. Eduardo comemorou como se fosse uma vitória moral sobre o politicamente correto, mas é um resultado vazio. Maurício Souza segue demitido e vai terminar sua carreira na Turquia, a revista em quadrinhos com o Super-Homem bissexual será lançada no Brasil e as imagens da Fiat e da Gerdau melhoraram no episódio.

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    O espírito do tempo mudou. O bolsonarismo segue forte, especialmente quando combate o que chama de “politicamente correto”. Mas o espírito do tempo está mudando. O apresentador bolsonarista Sikera Jr perdeu o programa de TV depois de chamar gays de “raça desgraçada” e mesmo Bolsonaro teve de recuar da declaração de que vacina causa Aids, depois que o Youtube o tirou do ar.

    O bolsonarismo perdeu o poder de intimidação em temas onde tinha empurrado os progressistas contra a parede, como o comportamento. Isso terá efeito na campanha eleitoral. Com a economia em frangalhos, o discurso dos valores da família será um dos eixos da campanha bolsonarista, como foram as mamadeiras de piroca na eleição de 2018. Na esteira do caso Mauricio Souza, os bolsonaristas voltaram atacar o PT pelas pautas feministas e o governador Eduardo Leite por ser homossexual. Não vão parar, mas estão mais fracos.

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