A nova pesquisa Datafolha sobre a aprovação do governo Lula reforça a hipótese de que a polarização política brasileira está se calcificando, alcançando um ambiente no qual as paixões políticas são tão ou mais importantes do que os fatos. Desde a pesquisa anterior, realizada em março, o Rio Grande do Sul sofreu um dilúvio bíblico, Lula montou uma operação de recuperação do Estado, o governo sofreu derrotas em série no Congresso, as brigas entre os ministros Rui Costa e Fernando Haddad ameaçasse tornaram públicas, o dólar subiu 9,5%, o Congresso aprovou a taxação das importações chinesas, o desemprego se manteve em índices historicamente baixos, Tarcísio de Freitas se consolidou como o herdeiro do bolsonarismo, o Congresso tentou aprovar uma legislação medieval contra as mulheres que abortam e… nada. A pesquisa mostrou que nesses três meses de tantas polêmicas e notícias relevantes, a aprovação do governo Lula apenas variou de 35% para 36%, a reprovação oscilou na margem de erro de 33% para 31%, enquanto o regular passou de 30% para 31%.
Essa estabilidade é um dos sintomas do processo de calcificação, tese levantada para explicar a polarização extrema nos EUA e que o cientista político Felipe Nunes e eu trabalhamos como hipótese para explicar o atual impasse político no Brasil. No livro Biografia do Abismo, mostramos como, desde 2006, a disputa que se dava em torno dos partidos passou a ser uma forma de identidade geográfica, de renda, de gênero, de faixa etária, de religião e de raça.
Essa identificação política rígida está transformando os dois grandes vetores políticos brasileiros – o lulismo e o bolsonarismo – em grandes torcidas, daquelas que apoiam os seus times fanaticamente não importando se eles estão vencendo ou perdendo.
O Datafolha registrou que o Lula de 2024 é muito similar ao Lula de 2022. O seu governo é aprovado por moradores do Nordeste, com renda abaixo de 2 salários mínimos e baixa escolaridade – estratos onde foi majoritário na eleição contra Jair Bolsonaro. 48% dos nordestinos e 53% de quem estudou até o fundamental consideram o presidente ótimo ou bom. Em compensação, consideram o governo ruim ou péssimo os homens (35%), quem tem de 25 a 34 anos (38%), com ensino superior (38%), evangélicos (44%) e mais ricos (45% nas faixas acima de 5 mínimos) – segmentos nos quais o bolsonarismo é mais forte.
A tese da calcificação política não significa, porém, que os fatos não importam. Apenas que eles são percebidos de forma diferente por cada grupo político e através de filtros, que podem ser a família do eleitor, seus colegas de trabalho ou o meio como fica sabendo das novidades.
Esse filtro é fundamental para compreender a percepção geral da sociedade sobre a economia. Os indicadores mostram que o Brasil está no menor índice de desemprego em uma década, a inflação segue abaixo de 4% mesmo com a tragédia gaúcha, o PIB deve subir acima de 2%, mas apesar disso a sensação do eleitor médio é de que as coisas não estão bem. 42% dos eleitores acham que situação econômica do país piorou nos últimos meses, e apenas 27%, que melhorou.
Os números do Datafolha indicam que, ao contrário do que apregoa a oposição, Lula segue com uma base forte. Depois de um ano e meio de governo, ele é mais aprovado e menos rejeitado do que Bolsonaro. Comparando os dois governos no mesmo período, Lula tem aprovação de 36% e desaprovação de 31%, enquanto Bolsonaro tinha em junho de 2020 31% de avaliação positiva e 44% de negativa.
Ao contrário do que supõe parte do governo Lula, contudo, o clima não é de festa. Só 26% dizem que vida melhorou após posse de Lula, enquanto para 52% a vida sob Lula é igual a que eles tinham sob Bolsonaro.
Com dois grupos políticos tão sólidos apenas terremotos do nível da pandemia de Covid ou da Operação Lava Jato poderiam, em tese, gerar um desequilíbrio capaz de deixar um dos lados muito frágil. O padrão será que tanto Lula quanto o antilulismo seguirão fortes, com tamanhos similares e com chances reais de vencer as eleições de 2026. É um retrato de um país de paixões calcificadas.