Jair Bolsonaro tem dois tipos de ministros: os que cumprem ordens e os que se antecipam aos desejos do chefe. O ministro da Justiça, André Mendonça, faz parte do segundo grupo.
Desde a semana passada, Bolsonaro tem demonstrado preocupação com a alta nos preços do arroz, até agosto subiu 20%. Ele conversou com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, que lhe explicou dos efeitos do aumento do consumo dos beneficiados com o auxílio emergencial e da quebra da safra com a seca no Centro-Oeste. Insatisfeito, se queixou ao ministro da Economia, Paulo Guedes, que deve ter lhe dito sobre uma certa lei da oferta e da demanda num sistema de liberdade de preços. Os dois ministros ofereceram como alternativa a possibilidade de zerar as alíquotas de importação de arroz, medida que na prática ajudará pouco em função do dólar alto. Bolsonaro seguia sem ter uma resposta para dar ao seu eleitorado. Daí apareceu André Mendonça.
Depois de o presidente ter se reunido com o dirigente da Associação Brasileira de Supermercados, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), ligada ao Ministério da Justiça, notificou na quarta-feira, 9, as principais empresas e associações ligadas à produção e distribuição dos itens da cesta básica para em 5 dias explicarem os motivos das altas de preços. É uma estultice sem tamanho que serve para dar discurso à militância bolsonarista, mas que terá efeito zero nos preços dos alimentos. No afã de bajular Bolsonaro, Mendonça sequer avisou a colega Tereza Cristina, como ela mesmo contou hoje em entrevista à rádio Gaúcha.
A pressão sobre supermercados e cooperativas é apenas mais um gesto na lista de adulações de André Mendonça. Candidato à ministro do Supremo Tribunal Federal na vaga que Bolsonaro irá indicar em novembro, Mendonça está desde sempre se colocando como um cumpridor de desejos do chefe. Ele foi indicado para o Ministério da Justiça no lugar de Sergio Moro em abril depois de ameaçar processar, na função de advogado geral da União, os governadores que punissem quem desrespeitava a quarentena da Covid-19.
Em ato estranho às responsabilidade da sua pasta, Mendonça entrou com pedido de habeas corpus no Supremo Tribunal Federal em favor do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, que havia defendido a prisão dos juízes. Ele ainda defendeu os interesses dos youtubers e blogueiros bolsonaristas investigados nos inquéritos de ameaça à vida dos ministros do Supremo.
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Clique e AssineUma vez ministro, Mendonça foi, no mínimo, conivente com a produção de dossiês contra policiais e servidores públicos que se declaravam antifascistas. Um episódio sujo de política que só foi suspenso depois de denúncia na mídia e ordem do Supremo Tribunal Federal. Para defender a reputação de Bolsonaro, Mendonça abusou das prerrogativas de sua pasta, acumulando uma postura que deveria ser da Advocacia Geral da União. Ele pediu a abertura de inquéritos sob a justificativa da Lei de Segurança Nacional para investigar os jornalistas Hélio Schwartsman, da Folha de S.Paulo, e Ricardo Noblat, de Veja, por críticas ao presidente.
Nesta semana, atendendo interesses do secretário de assuntos fundiários, Nabhan Garcia, o principal interlocutor do presidente com o setor mais atrasado do ruralismo, o Ministério da Justiça anunciou o envio de tropas da Força Nacional para despejar sem terras na Bahia. A lei é clara ao afirmar que o envio das tropas só pode ocorrer por pedido do governo local, o que não ocorreu.
Historicamente o Ministério da Justiça é considerado o primus inter paris do governo, o primeiro entre os iguais. Já ocuparam o cargo juristas que entraram para a histórica como Eusébio de Queiroz, José Nabuco e Ruy Barbosa para ficarmos apenas no século XIX. André Mendonça entra na história como aquele que tornou o cargo um puxadinho dos caprichos, vontades e desejos do presidente.