Líder em todas as pesquisas e favorito nas simulações de segundo turno, o ex-presidente Lula da Silva não irá escrever uma nova Carta ao Povo Brasileiro, o documento produzido na campanha de 2002 para sinalizar compromissos do então candidato do PT em manter o tripé econômico do governo FHC e não dar calote na dívida pública. Essa é uma decisão final de Lula, que considera ofensiva a ideia de que investidores considerem os oito anos do seu governo não serem garantias suficientes. É extremante improvável que ele mude de ideia.
O PT não tem ainda um programa para a hipótese de vencer as eleições, nem mesmo um coordenador econômico. Mas se fosse preciso comparar, a plataforma econômica será mais parecida com a do segundo governo (de forte intervenção estatal na economia, com uso do BNDES, da Petrobras e dos bancos públicos para induzir investimentos provados) e menos do primeiro governo (de austeridade fiscal e forte política monetária). É lógico que essa é uma visão otimista. O Brasil que será herdado a partir de 2023 estará em frangalhos, comparando com o começo do segundo governo Lula, em 2007.
Pistas claras das intenções de Lula foram dadas na entrevista à Rádio Gaúcha, na terça-feira (30/11). Pontos que chamam a atenção:
Sobre a Petrobras: “Não há explicação econômica, cientifica, filosófica ou sociológica para a Petrobras manter um preço internacional em um país que é autossuficiente (na produção de petróleo). Não tem noção (a Petrobras) distribuir esse mais ano mais de R$ 65 bilhões de dividendos para os minoritários em detrimento do povo brasileiro. Que estupidez é essa?! Qualquer pessoa séria que ganhar as eleições de 2022 não vai manter essa política de paridade do preço de petróleo”.
“Não vai ter essa política de aumento de gás, de distribuição de dividendos de forma alucinada. Os acionistas privados têm de ganhar alguma coisa, mas quem tem que ganhar é o povo brasileiro que é o criador da Petrobras”.
Perguntado diretamente como seria a política de reajuste de preços no seu eventual governo, Lula foi sucinto: “como era no meu governo”.
Sobre teto de gastos: “A lei do Teto de Gastos só pode ser aprovada num pais onde o presidente da República não tem autoridade moral para decidir o que fazer, o que gastar, o que investir. Eu fui presidente por 8 anos, quando cheguei tínhamos uma dívida interna de 60% do PIB, no final da Dilma caiu a 32% do PIB. Fomos o único país do G20 que manteve superávits por oito anos seguidos”.
“Não pode ter uma lei que impede de fazer investimento num país que precisa de investimento. Uma Lei de Teto de Gastos que o Bolsonaro está furando todo dia. O governo tem de ter a responsabilidade de dizer, vamos investir em tal coisa porque é necessário. Não existe possibilidade de você governar esse ou qualquer país do mundo se você não tiver a capacidade de o governo ser o indutor do desenvolvimento, taí o (presidente dos EUA) Biden que cansa de anunciar todo dia trilhões e trilhões de dólares de investimentos (do governo)”.
(Nota: a proposta fiscal mais sólida no PT é do ex-ministro Nelson Barbosa, que a coloca a despesa como meta, mas sem impor um valor real fixo por 20 anos como fez a Lei do Teto. A cada mandato, o novo governo apresentaria um plano fiscal de 4 anos, incluindo meta ou limite global de gastos, bem como metas específicas para resultado primário e dívida pública, programação de avaliação de gastos (incluindo benefícios tributários e despesas com pessoal e custeio nos três Poderes), investimentos, folha de pagamento, sustentabilidade ambiental e gastos per capita com educação e saúde (e não a vinculação de receita para meta de serviços por pessoa). A proposta de regra não teria meta de dívida, mas o valor do gasto seria decidido com base em um cenário de receita, juros e crescimento do PIB, “de modo a ser consistente com a estabilidade do endividamento público, no patamar definido por quem for eleito”, segundo Barbosa).
Se Lula desse essas mesmas declarações faltando dois meses para as eleições a bolsa cairia, o dólar iria para a lua e haveria um fuzuê no mercado. Foi esse clima de pânico que obrigou o então coordenador do programa de governo do PT, Antonio Palocci, a convencer Lula a assinar a famosa Carta em 2002. Vinte anos depois, acredita Lula, a Carta foi um sinal de fraqueza.
Desde a queda de Dilma Rousseff, a relação do mercado com o PT ficou tão distante que os dois lados falam hoje idiomas diferentes, mas ambos com sotaques de hipocrisia. O mercado acredita que tem o direito de exigir credenciais de responsabilidade fiscal dos candidatos, mas tem critérios seletivos. O mercado segue protegendo Bolsonaro, mesmo depois de ele ter explodido a lei de Teto de Gastos, causado um calote na dívida pública com a PEC dos Precatórios e colocado na presidência da Petrobras um militar cujo único momento de intimidade com o setor de combustíveis é quando vai a um posto encher o tanque do carro. É patético achar que Lula vai conceder publicamente pontos rechaçados por Bolsonaro, o candidato escolhido por dez entre dez Farialimers em 2018.
Já Lula usa no seu discurso fiscal o truque do ilusionista Harry Houdini. Só que ao invés de fazer desaparecer elefantes como o mágico, Lula tenta fazer sumir o governo Dilma e todas as maquiagens fiscais a partir de 2012. A indignação com que Lula responde aos pedidos de compromissos fiscais serve para o candidato não reconhecer a contabilidade criativa da sua sucessora.
De brinde, a entrevista de Lula trouxe um alerta ao governo Biden: “Temos prova mais do que provada das vinculações dessa quadrilha (dos procuradores da Lava Jato) com o Departamento de Justiça dos EUA e o objetivo (dos americanos) vocês sabem qual era: destruir a indústria naval e de óleo e gás”.