No poema épico da Odisseia, a rainha Penélope é a fiel mulher de Ulisses que, para adiar a escolha sobre com quem irá se casar depois de 20 anos de desaparecimento do marido, anuncia que o fará assim que terminar de tecer um sudário (ou tapete, dependendo da tradução). Todo dia ela aparecia em frente aos candidatos tecendo a peça, mas à noite desmanchava o trabalho. Assim, nunca termina e ganhava tempo. Finalmente, uma criada denunciou o estratagema aos impacientes postulantes, mas pelas graças da trama isso ocorreu justamente quando Ulisses havia retornado à ilha de Ítaca.
Nesta reforma ministerial, Lula tem feito como Penélope. De dia, se reúne com o Centrão e diz que tudo está pronto e só alguns detalhes o afastam de se incorporarem ao governo. De noite, recua e a reforma ministerial volta à estaca zero. A reforma ministerial começou em junho, com a promessa de ser resolvida até o fim do recesso parlamentar. Chegou agosto e, sem saber para quais cargos estavam convidados, os deputados Silvio Costa Filho (Republicanos) e André Fufuca (Progressistas) foram nomeados como futuros ministros.
Nas semanas que se passaram, Costa Filho e Fufuca já foram sondados para os ministérios dos Esportes, da Indústria e Comércio, dos Portos e Aeroportos, da Ciência e Tecnologia, do Desenvolvimento Social, de um novo ministério que teria as funções do Desenvolvimento Social sem o programa Bolsa Família e de um novo ministério da Micro e Pequenas Empresas. Como é humanamente impossível alguém ser versátil a ponto de conduzir políticas públicas de tantas áreas diferentes, a questão é “para que Fufuca e Costa Filho querem tanto ser ministros?” e “o que Lula ganha adiando a reforma para outra semana”?.
A primeira resposta é mais fácil do que a segunda. O Centrão não quer o ministério dos Esportes porque tem grandes especialistas na área ou uma fantástica nova política pública para ressuscitar a indústria nacional. O Centrão quer ministérios de onde os seus indicados possam apressar a liberação de emendas parlamentares para as prefeituras das suas bases eleitorais. Pela lógica eleitoral, quanto mais cedo as emendas forem distribuídas e quanto maior for o valor repassado, maiores as chances de os prefeitos agraciados conseguirem sua reeleição. Se o Centrão ganhar o Ministério dos Esportes, portanto, vão chover emendas de quadras esportivas pelo país. Se for o de Desenvolvimento Social, nunca se verá tanta instalação de cisternas como agora. E assim sucessivamente. Não importa o tamanho do ministério, mas o efeito eleitoral que ele proporciona.
Lula sabe disso e sabe que o calendário eleitoral está apertado. O presidente acredita que, quanto mais adia as indicações, maior o desespero do Centrão para aceitar um cargo menor. É um jogo de poker. O problema é que o líder máximo do Centrão e presidente da Câmara, Arthur Lira, também sabe jogar.
Lula adiou a reforma ministerial até onde pôde, mas o Centrão vai receber do governo a sua máquina de emendas parlamentares.
Na semana passada, Lira ajudou a aprovar uma emenda absurda que concede às prefeituras redução no pagamento da previdência dos servidores municipais. A emenda não diz de onde o governo federal vai tirar os recursos para essa benesse, o que obriga o presidente Lula a vetar a lei. Lira sabe disso. Sabe também que o desgaste de vetar e ficar mal com os prefeitos será de Lula.
Lira já havia impedido a aprovação de uma brecha no Arcabouço Fiscal que daria ao governo R$ 32 bilhões a mais para gastar, mudando para sempre as datas de cálculo da inflação. Lira obrigou ainda o governo a retirar a taxação sobre fundos offshore. Nos dois casos, o presidente da Câmara deixou um conserto: o governo Lula poderá pedir a brecha de R$ 32 bilhões no relatório do orçamento e a taxação sobre offshore foi reapresentada como projeto de lei. A mensagem é que, com o apoio de Lira, os dois problemas podem ser resolvidos. Só vão custar mais caro. Isso nem o herói Ulisses resolve.