Políticos e tubarões sentem o cheiro de sangue na água. Na semana passada, antes da conclusão do julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre a reeleição dos presidentes do Congresso, o deputado Rodrigo Maia era “o cara”. A decisão do STF de vetar a manobra expôs publicamente a fraqueza de Maia. Em questão de dias, o mais poderoso presidente da Câmara dos Deputados em vinte anos virou um pato manco. Hoje, o maior adversário de Maia, o deputado Arthur Lira, é o franco favorito para ser eleito presidente da Câmara. Líder do Centrão, Lira é o candidato do presidente Jair Bolsonaro.
Antes de prosseguir, uma ressalva: eleições no Congresso mudam conforme o vento. O próprio Maia foi eleito pela primeira vez em 2016 quando a máquina de Eduardo Cunha para adoçar a boca deputados trabalhava a favor de Rogerio Rosso. O atual presidente do Senado, Davi Alcolumbre, era um desconhecido até a semana da sua vitória em 2019. O atual favoritismo de Lira, portanto deve ser visto com cautela. No tempo político, daqui até a eleição em 1º de fevereiro são dois séculos.
O fato político, no entanto, é que Maia está fragilizado e Lira largou na frente. Além do apoio majoritário do Centrão – a geleia de partidos que troca vantagens por votos desde a chegada de D. João VI ao Brasil –, Lira articula trazer o MDB, em um bem bolado no qual o partido passará a dominar a presidência do Senado. O PSB – que em tese é do bloco da centro-esquerda – já se acertou com o candidato do Centrão.
O apoio ostensivo do governo Bolsonaro a Lira foi o motivo por trás da demissão do ministro do Turismo, Álvaro Antonio, que acusou o ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Ramos, de oferecer os Ministérios do Turismo e da Cidadania em troca de votos pró-Lira. Ao demitir Antonio, Bolsonaro mostrou aos deputados que está autorizando o toma-lá-dá-cá a favor do seu candidato.
Como todo candidato, Lira é um camaleão. A Bolsonaro, prometeu colocar para votar as pautas conservadoras (liberação de armas, menos punições a policiais envolvidos em casos de morte, Escola Sem Partido e novas restrições ao aborto). Aos ruralistas, a lei que legaliza as terras griladas na Amazônia. A Paulo Guedes, aprovar a nova CPMF. À turma do mercado financeiro, a reforma tributária e administrativa. Ao PSB, a manutenção da lei eleitoral que limita número de partidos. Ao PT, mudanças na Lei de Ficha Limpa para permitir a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva em 2022. É óbvio que ele está mentindo para alguém.
Lira é um personagem típico do Centrão. Apoiou os governos Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro, está enrolando em meia dúzia de processos da Lava Jato e nunca teve uma opinião própria. Se for eleito, não poderá assumir a presidência da República em caso de ausência de Bolsonaro e do vice Hamilton Mourão por ser réu em processo de corrupção.
Com o Centrão na presidência da Câmara, Bolsonaro acredita que terá o controle da Câmara. O passado, porém, mostra que o grupamento é sinônimo de instabilidade.
Embora sempre viva no entorno do poder, o Centrão em geral exerce seu poder sem aparecer. Em 2005, por incompetência do PT, o ‘rei do baixo clero’ Severino Cavalcanti virou presidente. Foram seis meses de instabilidade encerrados com denúncias de corrupção. Eduardo Cunha, que fazia parte da turma de Michel Temer, recriou o Centrão em 2015 para bloquear a pauta do governo Dilma e depois derrubá-la. O grupo só foi apeado do poder com a renúncia e a prisão de Cunha.
Rodrigo Maia foi o presidente da Câmara mais liberal da história. Deu estabilidade à Casa depois do escândalo Cunha, impediu o afastamento de Michel Temer e não colocou para votar as dezenas de pedidos de impeachment de Jair Bolsonaro. Ajudou a aprovar a Lei do Teto de Gastos, as Reformas Trabalhista e da Previdência, as Leis do Gás e das Telecomunicações e barrou a CPMF de Guedes. Foi fundamental no freio às intenções golpistas de Bolsonaro no meio do ano e, até a semana passada, parecia o único capaz de unir a centro-direita e a esquerda por um candidato não-bolsonarista.
Maia errou feio ao imaginar que o STF lhe daria barato a ilegalidade de uma nova reeleição. Os ministros do STF cumpriram a Constituição, quebraram a estratégia de Maia e agora assistem assustados o avanço do bolsonarismo sobre o Congresso. A raposa baiana Antonio Carlos Magalhães dizia que a política é uma carreira onde você pode ressuscitar sem precisar morrer. Se quiser ressuscitar, Maia terá de agir rápido.