Na comédia “Os Cavaleiros”, o dramaturgo grego Aristófanes (cerca de 447 a.C. – 385 a.C.) faz um retrato colorido de um demagogo, representado na peça como um vendedor de salsichas: “Misture e amasse todos os negócios do estado como faz com suas salsichas. Para conquistar as pessoas, cozinhe sempre o que elas querem comer. Afinal de contas, você possui todos os atributos de um demagogo: uma voz estridente e desagradável, uma natureza perversa e a linguagem do populacho. Você tem tudo o que é necessário para governar”.
O vendedor de salsichas de Aristófanes é uma versão primordial de Pablo Marçal, o guru de autoajuda que por pouco não foi ao segundo turno das eleições de São Paulo.
Pablo Marçal perdeu, mas ganhou. Virou uma figura nacional, mostrou que Bolsonaro não é o único líder da extrema direita e provou que existe a demanda em uma grande parcela do eleitorado por candidatos com discurso antissistema e que não se sentem representados pela direita tradicional dos governadores Tarcísio de Freitas, Romeu Zema, Ratinho Junior e Ronaldo Caiado.
Pesquisa nacional Genial/Quaest divulgada neste domingo pelo jornal O Globo mostra que Marçal hoje é mais popular do que o pré-candidato favorito da direita tradicional, Tarcísio de Freitas. Numa simulação para a eleição de 2026, Lula teria 32%, Marçal 18 e Tarcísio ficaria em terceiro com 15%. A pesquisa, feita na semana final do primeiro turno, revelou que Marçal supera Tarcísio em todas as regiões, exceto o Sudeste e é considerado o sucessor ideal de Jair Bolsonaro por 15% dos que votaram no ex-presidente, resultado similar ao de Michelle Bolsonaro e o próprio Tarcísio.
Esta direita radical populista rachou o antipetismo em São Paulo, Curitiba, Goiânia, Belo Horizonte, Fortaleza e provavelmente terá um candidato a presidente em 2026. Pode ser o próprio Marçal ou, se ele for julgado inelegível, “um Marçal”. Onde existe demanda, sempre haverá um produto.
Analisando a ambiguidade de Jair Bolsonaro em relação a Marçal, o professor Pablo Ortellado escreveu em O Globo, no sábado: “Desde 2018, foi a primeira vez em que ele (Bolsonaro) enfrentou uma ameaça real à sua hegemonia na direita. Isso o levou a um movimento de vaivém com Marçal. Quando Nunes resistia a abraçar o bolsonarismo na campanha, Bolsonaro dizia que Marçal era capaz e bem-intencionado. Depois, reafirmou o apoio a Nunes, mas de maneira discreta, sem correr o risco de alienar os eleitores conservadores que já haviam consolidado posição a favor do empresário (Marçal). (…) Houve, assim, duas ambiguidades estratégicas. De um lado, a de Bolsonaro, que apoiava oficialmente Nunes, mas não deixava de expressar simpatia por Marçal. De outro, a de Marçal, que desobedecia a Bolsonaro, mas em tese apenas para melhor realizar a missão bolsonarista. No cruzamento das duas ambiguidades estão os eleitores de Bolsonaro que votaram em Marçal. São eles que poderão definir o futuro do movimento conservador”.
A peça de Aristófanes conclui com um debate entre o populista radical (o vendedor de salsinhas) e o populista tradicional (o rei Cleon, personagem verdadeiro desafeto do autor da peça). Eles trocam ataques mútuos que lembram muito os confrontos da eleição paulistana. “Vou esfolá-lo e fazer uma bolsa de ladrão com a pele”, diz um, “Vou arrancar seus cílios”, responde o outro. Ao final, o vendedor de salsinhas vence o debate ao se gabar de que é capaz de “fazer uma promessa falsa sem sorrir, mesmo depois de um roubo”, um símbolo do suprassumo da hipocrisia.
O populismo mudou pouco nos últimos 2.500 anos.