O ex-presidente Lula da Silva reúne nesta semana, provavelmente por zoom em função do novo pico de Covid, quinze a vinte economistas para dar partida aos estudos sobre o seu programa de governo.
É um grupo heterogêneo liderado por ex-ministros veteranos como Aloizio Mercadante, Nelson Barbosa, Fernando Haddad e Guido Mantega e nomes do Instituto Lula, como Marcio Pochman e Clara Ant. A intenção é trazer junto a eles economistas novos como Guilherme Mello (Unicamp), Marcelo Manzano (Unicamp), Esther Dweck (UFRJ), Pedro Rossi (Unicamp), Juvândia Moreira Leite (sindicato dos Bancários) e Tamires Sampaio (do movimento negro Conen).
A reunião tem dois objetivos. O primeiro é enterrar a ideia de um porta-voz econômico. Lula, na comparação de um auxiliar, não quer ter um “Posto Ipiranga” (como Paulo Guedes é para Bolsonaro), mas vários “Postos BR”.
Isso significa que nos próximos meses haverá vários conselheiros de Lula dando entrevistas ao mesmo tempo e discordando entre si. Esse período caótico vai até Lula fechar o seu programa econômico depois do Carnaval (os otimistas falam em março, os realistas em junho).
Como já descrito aqui, Lula não irá apresentar um carta de intenções ao mercado financeiro, como fez na campanha de 2002 com a Carta ao Povo Brasileiro.
O segundo objetivo é gerar um programa de oposição frontal ao programa econômico de Bolsonaro e Paulo Guedes. Um dos pontos mais avançados é o da revisão da reforma trabalhista O texto final só deve sair em abril, mas a forma já está definida e repete o modelo do governo socialista espanhol de enviar ao Congresso um projeto acordado com confederações patronais e centrais sindicais. Depois de levantar a pauta da mudança da reforma trabalhista, Lula interveio para atenuar o discurso da “revogação da reforma” em “revisão, com aprovação do Congresso”.
A proposta trabalhista do PT será preparada em paralelo com a das centrais sindicais, que articulam um documento único para ser aprovada em uma conferência em abril e apresentado aos candidatos a presidente antes do Primeiro de Maio. As duas principais centrais, CUT e Força Sindical, apoiam a candidatura Lula.
Os pontos principais em debate em andamento entre os economistas vinculados a Lula:
· Fim dos contratos de trabalho intermitente;
· Volta da prorrogação automática dos acordos coletivos de trabalho até assinatura de novo contrato, (hoje existe um vácuo legal se não houver acordo);
· Criação de vínculo trabalhista dos prestadores de serviço de aplicativos, como Uber, Ifood e Rappi (a maior mudança da proposta espanhola);
· Retomada da contribuição sindical. Em 2017, antes da reforma, as entidades de trabalhadores e patronais arrecadaram R$ 3,6 bilhões. Em 2019, foram R$ 128,3 milhões.
Um ponto em suspense é a norma de que o sindicato pode renunciar a direitos que estão na lei em um acordo coletivo, o chamado “acordado sobre legislado”. Aprovado na Reforma de 2017, a possibilidade está no STF. Desde julho de 2019, todas as ações que tratam do tema estão suspensas por determinação do ministro Gilmar Mendes, relator do caso. Em novembro, o processo foi colocado em votação no plenário virtual do STF, mas retirado de pauta a pedido da ministra Rosa Weber. A decisão do STF será em repercussão geral. O PT é majoritariamente contra a norma, mas deve aguardar a definição do STF.
O debate da reforma apareceu com um tuíte de Lula na terça (04/01): “É importante que os brasileiros acompanhem de perto o que está acontecendo na Reforma Trabalhista da Espanha, onde o presidente Pedro Sanchez (do PSOE, de centro-esquerda) está trabalhando para recuperar direitos dos trabalhadores”, escreveu Lula. Ele comentava a decisão do Conselho de Ministros espanhol de aprovar em 23 de dezembro o Decreto-Lei Real que consolida o acordo articulado pelo governo espanhol com as entidades sindicais (CCOO e UGT) e empresarias (CEOE e CEPYME) para reformular as regras de trabalho, mudadas em 2011 no governo do Partido Popular (de direita). O texto foi enviado para o Parlamento.
A confusão surgiu na sexta-feira (07/01), quando a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, tuitou em resposta a um editorial do jornal O Globo escreveu a palavra maldita “revogar”. Escreveu Hoffmann:
“Está na hora de revogar o q deu errado: Lei do Teto, a reforma q não gerou empregos, política de preços dos combustíveis. Deter a privatização selvagem e rever os contratos lesivos ao país. Só não vê quem não quer”.
No mesmo dia, a presidente do PT recuou em uma cautelosa entrevista ao jornalista Chico Alves, do portal UOL. Na entrevista, Hoffmann substituiu a palavra “revogar” por “revisar”, insistiu na participação dos empresários e do Congresso no debate e reconheceu que o tema é espinhoso. Suas declarações:
“A revisão da reforma trabalhista é um dos compromissos do PT para o programa que vai apresentar para o próximo governo”.
“(o debate da revisão da reforma) Já criou um problema (para a campanha Lula), mas tem temas que não se pode esconder. É preciso fazer um contrato com a sociedade, senão depois você entra e não consegue fazer. Não dá para levar na enganação. Isso não quer dizer que a gente vai ficar fechado a negociar uma revisão. Não. O que a Espanha está fazendo, que é fazer uma comissão tripartite, é um caminho muito bom˜.
É pedagógico assistir o PT iniciar um debate fundamental para seus eleitores (a geração de empregos com carteira) com um discurso esquerdista e terminar a semana com uma proposta de negociação com o patronato. O teatro de discursar para a esquerda e testar a repercussão das ideias para, eventualmente, recuar será um moto contínuo da campanha.
Na segunda-feira (10/.01), à repórter Mariana Carneiro, de O Globo, Hoffmann deu nova declaração para agradar a esquerda:
“A única coisa que não vamos fazer é quebrar contratos, como o Bolsonaro fez com os precatórios. O resto nós vamos fazer. E não tem mimimi do mercado. Um país que não tem dívida externa, que tem este mercado consumidor não pode ter o povo com fome e sem renda”.
“O teto de gastos está desmoralizado e deve ser um dos primeiros a serem liquidados. Bolsonaro fez o orçamento de guerra e muitas outras coisas fora do teto aos olhos do mercado e agora querem exigir de nós respeito ao teto?”.
A proposta fiscal em debate entre os economistas ligados a Lula, do ex-ministro Nelson Barbosa, prevê a despesa como meta orçamentária, sem impor um valor real fixo por 20 anos como fez a Lei do Teto original do governo Temer e explodida no governo Bolsonaro. Pela proposta, o novo governo apresentaria um plano fiscal de 4 anos, incluindo um limite global de gastos e metas específicas para resultado primário e dívida pública.