Em termos político, o 8 de janeiro foi a oportunidade mais importante para o presidente Lula da Silva do que a sua vitória nas eleições. O golpismo inaceitável do bolsonarismo radical abriu ao presidente uma janela de boa vontade que lhe permitiria ampliar a sua base de apoio não apenas no mundo político, entre congressistas e governadores, como também na sociedade.
Desde então, Lula fez alguns gestos corretos em busca dessa ampliação. Na sexta-feira, recebeu todos os governadores, elogiou o goiano Ronaldo Caiado publicamente e abriu as negociações sobre reforma tributária, compensação do ICMS e empréstimos do BNDES. A diferença com a falta de diálogo de Jair Bolsonaro é evidente.
Quando discursa, porém, Lula segue falando apenas aos seus eleitores à esquerda. A defesa de uma moeda comum com a Argentina, que tem chance zero de sair do papel neste governo, foi um gesto de apoio a Alberto Fernández. O motivo é fútil.
No Uruguai, sem nenhuma provocação, Lula chamou o ex-presidente Michel Temer de “golpista” pelo impeachment de Dilma Rousseff. Temer não é mais player da política, mas o seu MDB tem 42 deputados, 10 senadores e dois ministros importantes no governo Lula: Renan Filho, dos Transportes, e Jader Filho, das Cidades.
Como mostrou o jornal digital Poder360, 7 dos atuais ministros apoiaram o impeachment, incluindo o vice Geraldo Alckmin, sem contar as centenas de deputados federais e uma parte razoável dos eleitores que votaram no próprio Lula.
A retórica presidencial ainda tornou mais difícil a relação do seu ministro Fernando Haddad com os discursos semanais sobre como os empresários só lucram porque os trabalhadores trabalham e o mercado financeiro que vive sem coração.
O que Lula ganha com essa retórica? Ele agrada aos eleitores que guardam mágoas da expulsão do PT do poder e que votaram por um governo de esquerda, muito mais à esquerda do que Lula jamais será.
Assim como Bolsonaro por quatro anos, Lula fala para o seu cercadinho. A tática política é a de engajar os eleitores à esquerda em um momento que a sua legitimidade é questionada por uma oposição golpista. Na prática, Lula coloca o eleitor moderado diante de um dilema: ficar ao seu lado, apesar dos arroubos retóricos, ou ficar do golpismo.
Essa ação já foi tentada antes por Bolsonaro, o primeiro presidente a perder uma reeleição no cargo.