É perigoso ter um amigo ministro o STF. Para ajudar o amigo Sergio Moro das acusações de parcialidade, o ministro Edson Fachin tirou da gaveta a transferência dos processos da Lava Jato de Curitiba para Brasília, decisão que num efeito dominó anulou todas as condenações e jogou mais luz sobre os erros da operações. Prestes a se aposentar, Ricardo Lewandowski decidiu ajudar Lula da Silva e votar pela inconstitucionalidade do Orçamento Secreto.
Vale uma observação: o Orçamento Secreto é uma excrecência jurídica. Foi criado para que os presidentes do Senado e da Câmara pudessem distribuir sem critério e transparência quase R$ 20 bilhões aos seus aliados. É um clientelismo que faz diferença. Neste ano, os deputados da turma de Lira receberam em média R$ 70 milhões em emendas, enquanto os demais em torno de R$ 30 milhões. O índice de reeleição dos amigos de Lira foi de 75%, os outros de 50%. Lira não é o presidente da Câmara mais poderoso desde Ulysses Guimarães por acaso.
A decisão de Lewandowski confirmou o entendimento da maioria do STF, mas piorou muito a vida de Lula. No domingo, 18, véspera da decisão de Lewandowski, Lula e Arthur Lira tiveram uma reunião de quase três horas. Encontraram um acordo para aprovar a PEC da Transição, acertaram um ministério para um preposto de Lira (o deputado Elmar Nascimento, que até outubro chamava Lula de presidiário) e até as comissões que o PT teria na Câmara. Para tornar o acordo público, Lira deu no mesmo dia uma inesperada entrevista à repórter Andreia Sadi, da Globonews, prometendo que, se reeleito, faria para o governo Lula o mesmo que fez para Bolsonaro.
Depois da decisão de Lewandowski, Lira se sentiu traído. Nenhuma alma na Câmara acredita que o ministro mais petista do STF tomou uma decisão tão importante sem o aval do presidente eleito. A validade da PEC foi reduzida a 1 ano, Elmar Nascimento vai virar ministro e o governo eleito renegociou o direito de os congressistas direcionarem emendas para suas regiões, apenas com rubrica diferente. A diferença é que até a decisão do STF, essas emendas depois de liberadas pelos presidentes da Câmara e do Senado podiam ou não serem pagas pelo governo federal. Agora, o governo será obrigado a pagá-las.
Como mostrou o jornal digital Poder360, o Senado foi o vencedor das novas regras. As emendas do orçamento secreto somavam R$ 19,4 bilhões e foram repartidas. A metade ficou livre para os ministérios gastarem e a outra foram transferidas para as rubricas das emendas parlamentares. Assim, até agora cada deputado e senador tinha direito a direcionar emendas no valor total de R$ 19,7 milhões. A partir de 2023, os deputados vão poder decidir sobre R $ 32,1 milhões e cada senador, R$ 59 milhões automaticamente. Isso significa que eles não vão precisar da benção de Lira, Pacheco ou Lula para levar verbas para suas regiões, reduzindo em muito o poder de pressão do governo federal para formar uma maioria estável no Congresso.
Desde a Constituinte, o sistema político se sustentava no presidencialismo de coalizão. Como nenhum presidente consegue maioria no Congresso, mesmo quando eleito no primeiro turno, ele é obrigado a conceder parte de seu poder para formar uma maioria, seja através de cargos nos Ministérios, seja através da liberação das emendas. Desde o governo Dilma Rousseff, o Congresso foi ganhando independência, seja na deliberação das medidas provisórias, seja na autonomia na liberação de verbas. Com o orçamento secreto, o Palácio do Planalto de Bolsonaro passou a dividir o privilégio das emendas com os presidentes da Câmara e Senado. Com a decisão do STF, esse poder diminui. No governo Lula 3, deputados e senadores poderão se manter na oposição sem que isso necessariamente prejudique sua base eleitoral.