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Thomas Traumann Thomas Traumann é jornalista e consultor de risco político. Foi ministro de Comunicação Social e autor dos livros 'O Pior Emprego do Mundo' (sobre ministros da Fazenda) e 'Biografia do Abismo' (sobre polarização política, em parceria com Felipe Nunes)
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Hiroshima fica aqui

O Brasil terá mais mortos por Covid-19 do que o número de vítimas da bomba nuclear

Por Thomas Traumann Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 3 ago 2020, 11h42 - Publicado em 3 ago 2020, 11h40
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  • Na quinta-feira, dia 6, o mundo relembra a explosão da bomba no porto japonês de Hiroshima, o primeiro artefato nuclear usado em uma guerra. A explosão destruiu a cidade e matou imediatamente entre 130 mil e 150 mil pessoas. Três dias depois, uma segunda bomba, em Nagasaki, selou o fim da Segunda Guerra. Muito se discutirá sobre os horrores da guerra, a corrida armamentista (as superpotências acumulam quase 4 mil ogivas nucleares múltiplas vezes mais potentes do que as lançadas sobre o Japão) e, principalmente, sobre como a existência de uma arma tão mortífera mudou a nossa visão de mundo. Nos percebemos mais frágeis, mais impotentes às decisões dos poderosos, menos capazes de assegurar que nossos filhos terão dias melhores que os nossos.

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    Nesta semana também, o Brasil registrará oficialmente a morte número 100.000 por Covid-19. Entre agosto e setembro, os relatórios oficiais mostrarão que mais brasileiros morreram de Covid-19 do que japoneses em Hiroshima. Em outubro e novembro, devemos ultrapassar as 200 mil vítimas de Hiroshima e Nagasaki somadas. E muito pouco está sendo feito para evitar essa tragédia.

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    Na sexta-feira (31/07), em Bagé, um recém-recuperado Jair Bolsonaro respondeu assim às perguntas sobre o combate ao coronavírus: “Eu sabia que um dia ia pegar. Infelizmente, acho que quase todos vocês vão pegar um dia. Tem medo do quê? Enfrenta!”, disse o presidente, após causar aglomeração, tirar a máscara e segurar crianças durante sua passagem pela cidade gaúcha para inaugurar uma escola cívico-militar e entregar as chaves de residências populares. “Lamento. Lamento as mortes. Morre gente todos os dias de uma série de causas. É a vida, é a vida.”

    A negligência disfarçada de conformismo é a marca da política sanitária de Bolsonaro. Em julho, morreu mais gente por Covid-19 no Brasil do que em outro país (32.912 ante 23.851 nos EUA e 18.854 na Índia). Os gráficos de mortos no Brasil aumentam mês a mês e desde julho a média é de 7 mil vítimas a cada semana. É como se todo dia, repito todo dia, quatro aviões lotados caíssem, sem sobreviventes.

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    E tudo o que o presidente tem a dizer é “enfrenta”. E como o governo ajuda os brasileiros a enfrentar? Relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) descobriu que o Ministério da Saúde gastou somente 29% do dinheiro que recebeu para as ações de combate ao coronavírus entre março o final de junho. Menos de R$ 12 bilhões de um total de R$ 40 bilhões aprovados pelo Congresso.

    Seria possível supor que a dificuldade do governo em NÃO gastar as verbas em saúde é decorrente de burocracias. Mas como apontou a procuradora do Ministério Público de Contas de São Paulo, Élida Graziane, a desculpa não se sustenta. No dia 15 de julho, depois de o ministro Gilmar Mendes afirmar que o Exército poderia ser acusado de “genocídio” pela cumplicidade com a desastrosa gestão da pandemia, o Ministério liberou R$4,977 bilhões. Em um único dia o Ministério repassou para Estados mais do que havia liberado em um mês.

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    O relatório do TCU revelou ainda que o Ministério da Saúde passou semanas sem repassar nada aos Estados durante as duas trocas de ministros, não demonstrou quais os critérios de liberação e na repartição de verbas prejudicou o Pará e o Rio de Janeiro, governados por opositores ao presidente.
    Em 25 de maio, quando os dados oficiais registravam 23,4 mil mortes por Covid-19, o comitê técnico do Ministério da Saúde alertou o general Eduardo Pazuello de que sem isolamento social o país poderia levar até dois anos para controlar a pandemia. Pazuello não apenas ignorou o alerta, como seguiu a ordem presidencial de incentivar o fim das quarentenas e pedir a reabertura das empresas.

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    Desde maio, o Ministério da Saúde recebe alertas das secretarias estaduais sobre a falta de medicamentos essenciais para tratamento da Covid-19 em UTIs, como sedativos e analgésicos usados na intubação de pacientes graves. Demorou um mês para o Ministério aceitar coordenar a compra desses fármacos, com Estados e municípios, medida padrão em todos os governos desde a volta da democracia. Relatório de julho mostra que relaxantes e sedativos necessários para entubar pacientes estão em falta em treze Estados.

    Em paralelo, o governo federal priorizou a distribuição de cloroquina, droga sem eficácia comprovada contra a Covid-19. Mais de 4,7 milhões de comprimidos de cloroquina e hidroxicloroquina foram distribuídos mesmo para Estados que não pediram o medicamento.

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    Em março e abril, o Ministério da Saúde prometeu entrega milhões de testes de diagnóstico aos Estados, além de abrir leitos de UTI em hospitais federais e ajudar na compra de respiradores. Em 17 de junho, na reunião do Centro de Operações de Emergência, já sob a gestão interina do general Eduardo Pazuello, o ministério passou a negar pedidos de ajuda. O documento sugere “deixar claro” que o ministério “não tem a responsabilidade de fornecer respiradores e equipamentos para proteção individual”.

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    A tragédia do Covid-19 não é um acaso. É um projeto. Hiroshima fica aqui.

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