O governador de São Paulo, João Doria, está sendo acusado de ter ‘passado do ponto’, sido ‘arrogante’ e ‘exagerado na dose’ ao enfrentar o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, na reunião virtual de ontem entre as autoridades federais e dos estados para discutir a vacinação contra a Covid-19.
A reação considerada exagerada pelos bem-criados veio quando Pazuello afirmou que a Anvisa, a agência que regula a liberação de medicamentos, irá demorar 60 dias para autorizar o uso de uma vacina, a contar da apresentação dos ensaios clínicos sobre a eficácia do imunizante. O governador de São Paulo subiu o tom e acusou Pazuello de estar fazendo política com a vacina.
Doria tem razão. O prazo inventado pelo ministro general foi criado apenas para impedir que a vacina da Sinovac, comprada pelo governo paulista, seja ministrada antes do início da campanha nacional com a vacina AstraZeneca. Para o ministro da saúde do governo Bolsonaro o importante é impedir que o governo de São Paulo pareça mais eficiente. Na realidade, qualquer esforço é suficiente para mostrar um mínimo de empatia com a população. O Brasil tem mais de 178 mil mortos por Covid-19 e não existe hoje lugar para internados graves nos hospitais do Rio de Janeiro.
Ah, Doria é candidato a presidente 2022. Ora, Bolsonaro também. A diferença é que o primeiro está investindo para vacinar a população do seu estado, enquanto o segundo grava vídeo rindo dos contaminados.
O governo de São Paulo tem plano para vacinar 40 milhões de paulistas em 2021. O Ministério da Saúde só tem garantidos 100 milhões de doses, o que dá para imunizar apenas 50 milhões de brasileiros. Hoje, quarta-feira, o Ministério da Saúde ainda não encomendou as seringas necessárias para a vacinação.
O calendário de vacinação de Doria é explicitamente político. Inaugura em 25 de janeiro, aniversário de São Paulo. Só que depois do anúncio paulista, o governo Bolsonaro começou a se mexer. O ministro Pazuello que havia se negado a receber os executivos do laboratório Pfizer, disse ter autorizado a compra de 70 milhões de doses (nota: a Pfizer não tem 70 milhões de doses para entregar ao Brasil em 2021). Depois do bate-boca com o governador paulista, uma nota da Secom afirmou que o Brasil terá disponível terá disponível um total de 300 milhões de doses (nota: sabe-se lá de onde tiraram esse número. Até quarta-feira, o Ministério só garantia 100 milhões de doses em 2021). Se não fosse a pressão, o governo Bolsonaro ia continuar no ritmo de bicho-preguiça.
Os mesmos políticos e analistas chocados com o jeito rude de Doria deveriam juntar seus exércitos de unicórnios voadores e autores de notas de repúdio para ver o que seriam capazes de fazer. Este é um governo que só se mexe no confronto.