Apenas duas vezes o Brasil teve uma disputa presidencial resolvida no primeiro turno. Em 1994, FHC era o ministro que havia montado o plano econômico que encerrou 15 anos de inflação anual acima de 100%. Foi um voto de gratidão tão forte que sustentou o projeto de reeleição em 1998. Não foi simples, no entanto.
Em abril de 1998, FHC perdeu seu mentor, Sergio Motta. Dias depois, o seu possível sucessor, o presidente da Câmara, Luiz Eduardo Magalhães. Em maio, Lula começou a subir nas pesquisas e, em julho, o PMDB ensaiou lançar o ex-presidente Itamar Franco como candidato, o que só não ocorreu por uma manobra de Renan Calheiros.
A campanha, no entanto, era a menor das preocupações do presidente. Em seus “Diários da Presidência”, FHC conta em tom contido como o Brasil estava “no fio da navalha” e como por pouco não adotou a centralização do câmbio. A equipe econômica estava rachada, com Pedro Malan e Gustavo Franco de um lado contra todos os demais assessores (Luiz Carlos e José Roberto Mendonça, Chico Lopes, André Lara Rezende, Clóvis Carvalho e Pedro Parente). Malan obteve uma garantia do FMI de um aporte de emergência para o Brasil como garantia em caso de um ataque especulativo. A posição de Edmar Bacha a favor de Malan e Franco terminou convencendo FHC contra a centralização do câmbio.
No livro “Emoções ocultas e estratégias eleitorais”, o cientista político Antonio Lavareda, que trabalhou na campanha de FHC e hoje é dono de empresa de pesquisas Ipespe, relata que a memória do Plano Real era suficiente para ganhar a eleição, mas a vitória no primeiro turno veio pelos acertos na propaganda de TV.
“A eleição se dava num quadro de crise econômica. A incerteza e o medo estavam presentes no noticiário. O país, com muita dificuldade, cresceria naquele ano apenas 0,8%. O caminho adotado pela campanha de Fernando Henrique para não fazer da eleição, naquelas circunstâncias, apenas um plebiscito sobre o governo foi torná-la um embate direto entre dois traços do caráter—experiência e realizações dos dois principais candidatos. Nesse confronto, não havia como perder. O mix de emoções apontado, acrescido do apelo ao orgulho, está representado de forma exemplar no comercial “Comandante”. Nele, um ator trajado como tal, na cabine simulada de um avião, tira do ouvido o fone de comunicação com a torre e fala para a câmera: Para ser comandante de um Boeing como esse é preciso muito preparo, muita hora de voo. Da mesma forma, eu acho que para ser comandante desse país, para ser presidente, tem de ter preparo, experiência, sobretudo nesse tempo de turbulência. Agora, mais do que nunca, a gente precisa de um comandante experiente e sereno. De pulso firme para conduzir o país da gente”.
A campanha da reeleição de FHC usou a crise internacional a seu favor, o que talvez explique o profundo desapontamento da população quando o governo foi engolido pela tempestade da desvalorização cambial e recessão. Em setembro de 1998, no entanto, levar a eleição para o segundo turno implicava em parar as negociações com o FMI e tornar a fuga de capitais uma profecia autorrealizável.
A crise tomou tanto o tempo de FHC, que ele sequer cita o dia da vitória em seus Diários. Na véspera, ele escreveu “vamos ganhar as eleições e vou ganhar um tremendo abacaxi para descascar, que é manter o Brasil no rumo da estabilidade econômica. Claro que a oposição está atacando sem parar, está no papel dela, mas acho que ele não tem noção do tamanho do buraco”. Nem FHC tinha.