A demora do presidente Jair Bolsonaro em parabenizar o presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, é reveladora de como será difícil para o Palácio do Planalto aprender a viver sem Donald Trump. Nesta segunda-feira, aliados fraternais do atual presidente americano, como Viktor Orban (Hungria), Narendra Modi (Índia), Andrzei Duda (Polônia), o rei Salman e o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman (Arábia Saudita) já haviam enviado seus cumprimentos a Biden. Bolsonaro ficou no clube dos que “preferem aguardar as decisões sobre os recursos judiciais antes de se pronunciar”, com os chefes de governos da China, Rússia, Coreia do Norte, Turquia e México. Os quatro primeiros têm motivos geopolíticos para terem torcido por Trump. Bolsonaro e presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador lamentam a vitória democrata por vassalagem.
Joe Biden assumirá a Casa Branca apenas em 20 de janeiro, período no qual Trump fará o possível para gerar problemas na transição, mas que não altera os fatos. Trump perdeu e perdeu feio. Biden teve 4 milhões de votos a mais e levou cinco Estados que eram trompistas em 2016, Pensilvânia, Michigan, Wisconsin, Arizona e Geórgia. São mais de dois meses para Bolsonaro aceitar a realidade e conviver em um novo ambiente, mais complexo e arriscado.
Na questão externa, Biden quer recomeçar a relação com o Brasil a partir do zero. Mas, para isso, Bolsonaro precisará agir de forma efetiva no combate ao crime ambiental, contrariando o incentivo à devastação da Amazônia que marca os dois primeiros anos do seu governo.
Além de proteção ao meio ambiente, a relação dos EUA será mais profissional. Não há lugar para a retórica de diplomacia de valores olavistas do Ministério das Relações Exteriores. O governo Bolsonaro terá de agir como um adulto.
Mas é no front interno que a ausência de Trump será mais sentida por Bolsonaro. Trump não era apenas o modelo de Bolsonaro, era seu ídolo. O presidente brasileiro fez uma live na qual aparecia assistindo um discurso de Trump. Imitava sua retórica (só começou a chamar o coronavírus de “vírus chinês” depois do americano), seus ataques à mídia e seu desprezo pelas instituições. Como presidente, Bolsonaro visitou mais os EUA (quatro vezes) do que o Ceará (duas vezes), o oitavo Estado mais populoso do País.
O ainda presidente americano era o exemplo a quem Bolsonaro recorria para boicotar as diretrizes de quarentena na pandemia, usar a milícia digital para atacar adversários e iniciar uma campanha para desacreditar o uso de vacinas contra Covid-19. Sem Trump, Bolsonaro não fica apenas sem sua referência. Fica sabendo que se repetir Trump pode também caminhar para uma derrota eleitoral.
O Brasil tem um impasse fiscal, social e econômico contratado para 2021. Para superá-los, será preciso um governo mais eficiente do que este que está aí. Ao mesmo tempo, o fim das eleições municipais marca o início das articulações da oposição. O fato de todos os candidatos apoiados por Bolsonaro nas eleições municipais estarem indo mal deve servir de alerta para seus apoiadores de que o navio governista não garante eleição.
Bolsonaro, portanto, terá uma pressão da realidade para moderar na diplomacia, no meio ambiente e na economia. Isso não significa que Bolsonaro irá ceder à pressão, mas sem Trump o espaço para o radicalismo vai se reduzir.