Em 1983, um desconhecido deputado federal de Mato Grosso apresentou uma emenda constitucional reinstituindo, depois de quase vinte anos de ditadura, o voto direto para presidente da República. O Brasil era governado então pelo incompetente João Figueiredo, o quinto general eleito presidente por via indireta, e as chances de aprovação do projeto eram nulas. Apesar da vitória oposicionista nos maiores Estados nas eleições de 1982, o partido da situação mantinha ampla maioria na Câmara, no Senado e, principalmente, no Colégio Eleitoral que elegeria o novo presidente em 1985.
Mesmo assim, a oposição foi às ruas. A primeira manifestação, em Curitiba, tinha poucos milhares de pessoas. Mas mais do que a viabilidade de aprovação da emenda, o que os comícios das oposições ao governo militar mostraram é que havia um espaço para brigar. Com o tempo, estavam nos palanques figuras que concorriam entre si, como Ulysses Guimarães, Leonel Brizola, Mario Covas, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, mas que concordavam que a prioridade era tirar os militares do poder.
Ao final de meses dos maiores protestos de rua da história, a emenda teve 298 votos a favor, 65 contra, 113 ausências e 3 abstenções. Não foi aprovada por 22 votos, mas ruiu a imagem do governo e abriu a janela para que a oposição derrotasse o governo nas eleições indiretas de 1985.
No próximo dia 19, as entidades que organizaram o primeiro ato contra Bolsonaro em maio, marcaram um novo protesto. A primeira manifestação foi um sucesso surpreendente. Centenas de milhares de pessoas foram às ruas de dezenas de cidades para exibir sua rejeição ao governo e seu luto com os mortos por Covid-19. Os atos do dia 19 de junho terão a mesma vibração, com ou sem o apoio dos partidos de oposição.
Na política, você nunca aposta contra a onda. Bolsonaro está em seu pior momento. Em mais alguns dias, o Brasil vai ultrapassar 500 mil mortos por Covid e é difícil não imaginar quantas dessas vidas teria sido salvas se tivéssemos um presidente minimamente sério e menos charlatão. A inflação em doze meses ultrapassou 8%, o desemprego está em 14,5% e a confiança do consumidor está em mínimas históricas. O Brasil está sob um gigantesco “feel bad factor”, um desânimo desesperador com o presente e com o futuro.
Nessas circunstâncias, ir às ruas é um gesto de desafogo. Protestar no meio da pandemia é arriscado. Não existe vírus do bem. Mas se quiserem enfraquecer Bolsonaro, as oposições precisam se organizar para voltar às ruas de uma forma minimamente segura.
É provável que ao contrário dos anos 1980, não se consiga colocar no mesmo palanque políticos tão díspares quanto Lula, Ciro Gomes, João Doria, João Amoêdo e Luciano Huck, mas isso importa pouco. Eles podem estar fisicamente em lugares diferentes, desde que estejam defendendo a mesma coisa. Também é quase certo que por maiores que sejam os atos antigoverno, não haverá tempo para um impeachment. Mas os atos de rua podem abrir a janela para que Bolsonaro não apenas perca no voto, mas também não tenha sustentação para uma quartelada.
O Congresso, a mídia e a elite financeira se mexem com povo na rua.