A CPI da Covid inaugurada hoje no Senado é mais perigosa para o futuro político de Jair Bolsonaro do que os quase 400 mil cadáveres acumulados na sua gestão da pandemia. De uma forma torta, Bolsonaro repartiu a sua responsabilidade sobre as vítimas com os governadores, prefeitos e, óbvio, a letalidade do vírus. É improvável que os senadores descubram algum escândalo novo na política sanitária bolsonarista, baseada na negação da ciência, no boicote às vacinas, no charlatanismo das cloroquinas, na guerrilha digital e no aparelhamento da Polícia Federal contra governadores. Se a CPI apenas concluir que o governo Bolsonaro multiplicou as possibilidades de mortes dos brasileiros não será novidade. O que a CPI pode descobrir, e consequentemente mudar o futuro político de Bolsonaro, é se houve desvio de dinheiro público na compra das vacinas.
Por uma anomalia a ser compreendida pela ciência política, parte considerável do eleitorado brasileiro é capaz de conviver com políticos ditatoriais (como Getúlio Vargas) ou responsáveis por recessões bravas (como Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso e Dilma Rousseff), mas tem um limite, a denúncia de corrupção. Desde o lacerdismo, a moralidade se tornou o cristal que não pode ser trincado na relação de eleitos e eleitores. Vargas foi cercado pelo “mar de lama”. Collor venceu prometeu acabar com os marajás e caiu no escândalo de PC Farias. O PT surgiu como acusando os adversários de serem ratos comendo a bandeira do Brasil e caiu mais pela Lava Jato do que pela recessão de 2014/16.
Bolsonaro foi eleito contra-tudo-que-está-aí e apesar da pandemia, da recessão e das ameaças à democracia, segue com apoio de um terço do eleitorado. Enquanto não tiver uma denúncia de corrupção que o atinja (não aos filhos), o presidente está no jogo.
A CPI pode mudar esse quadro. Como na frase inventado no filme Todos os Homens do Presidente (nunca dita na vida real) a linha será o “siga o dinheiro”. A entrevista do ex-secretário de comunicação Fabio Wajngarten a VEJA deu um roteiro para as investigações, assessores do presidente negociaram com o conhecimento dele a encomenda de mais de R$ 5 bilhões em vacinas da Pfizer. Senadores que participam da CPI ouviram que dois advogados com nomes iniciados por W se apresentaram à Pfizer falando em nome do Planalto para acelerar as compras de vacinas. Os três Ws serão chamados a depor.
A busca por digitais de Bolsonaro em alguma irregularidade será o tom da CPI. Se Bolsonaro for atingido, abre-se espaço para um novo nome na centro-direita nas eleições de 2022. Se não for, se esvanecem as chances de um candidato da Terceira Via (simultaneamente contra Bolsonaro e Lula). Por isso o temor no Planalto é tão evidente. O Planalto tentou trocar o nome dos senadores que participam da comissão, ampliou o foco das investigações para atingir governadores, entrou na Justiça para impedir Renan Calheiros de ser o relator e rompeu com o MDB no Senado. Nada deu certo, por enquanto. O presidente sabe o risco que corre.