Assine VEJA por R$2,00/semana
Thomas Traumann Thomas Traumann é jornalista e consultor de risco político. Foi ministro de Comunicação Social e autor dos livros 'O Pior Emprego do Mundo' (sobre ministros da Fazenda) e 'Biografia do Abismo' (sobre polarização política, em parceria com Felipe Nunes)
Continua após publicidade

A conspiração contra as eleições

A defesa da impressão do voto é um pretexto para deslegitimar o resultado das urnas

Por Thomas Traumann Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 8 jun 2021, 11h04
  • Seguir materia Seguindo materia
  • A mais eficiente arma eleitoral de Jair Bolsonaro para permanecer no poder a partir de 2023 não é a encomenda atrasada de milhões de doses de vacinas contra Covid-19, o novo projeto de Bolsa Família ou o apoio dos partidos do Centrão à reeleição, mas uma teoria da conspiração: a de que o sistema eleitoral é suscetível à fraude.

    Publicidade

    Fantasiada de dar mais transparência ao processo, a defesa da impressão do voto da urna eletrônica faz parte da estratégia bolsonarista criada para colocar em dúvida a legitimidade das eleições e contestar uma eventual derrota nas urnas.

    Publicidade

    Pesquisa PoderData feita duas semanas atrás mostra que 46% dos brasileiros rejeitam a ideia de um comprovante impresso do voto eletrônico nas eleições, mas espantosos 40% dos entrevistados são a favor. É um dado surpreendente em um país que não tem registro de fraude eleitoral desde a implantação das urnas eletrônicas em 1996 (descontado o choro de menino minado de Aécio Neves em 2014 que ele mesmo confessou ter sido “para encher o saco”). Para comparar: feita com cédulas de papel, a eleição no Rio de Janeiro de 1994, anterior à instalação das urnas eletrônicas, teve tanta fraude que foi anulada por unanimidade pelo Tribunal Regional Eleitoral e os eleitores precisaram comparecer de novo às urnas.

    A fonte natural da teoria de conspiração é Bolsonaro. Em 7 de janeiro, no seu primeiro comentário sobre a tentativa de golpe no Capitólio, nos Estados Unidos, o presidente deu razão aos invasores que tentavam impedir a formalização da eleição de Joe Biden: “Se nós não tivermos o voto impresso em 2022, uma maneira de auditar o voto, nós vamos ter problema pior que os Estados Unidos”. Em ato pró-governo em maio, em Brasília, Bolsonaro disse que, se as eleições de 2022 não tiverem voto “auditável”, o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva pode ganhar “pela fraude”.

    Publicidade

    Levantamento feito pela Diretoria de Acompanhamento de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (DAPP-FGV, da qual este articulista faz parte) mostrou a evolução de sete anos de postagens sobre fraudes eleitorais nas mídias sociais, o mais completo dossiê sobre como se propagam as teorias de conspiração. Entre 2014 e 2010, foram analisadas 337.204 publicações que colocavam sob suspeição a lisura das eleições. Os vídeos no Youtube sobre supostas fraudes eleitorais alcançaram 23,8 milhões de visualizações, sendo que vários deles eram manipulações óbvias, como apontou o TSE. Com a ascensão do bolsonarismo, o compartilhamento dos vídeos aumentou em escala industrial através das correntes de WhatsApp.

    Continua após a publicidade

    Corre na Câmara dos Deputados um projeto que obriga a Justiça Eleitoral a instalar uma impressora em cada urna eletrônica. Pela emenda constitucional da deputada bolsonarista Bia Kicis, cada urna eletrônica irá imprimir uma cópia do voto digitado. O eleitor vai conferir se a cédula impressa corresponde ao voto digitado e depositar essa cópia em uma urna. Se houver alguma suspeita sobre os resultados, as cédulas físicas serão contadas. A emenda não detalha, mas dá a entender que se algum partido pedir a recontagem de votos, o resultado das cédulas físicas terá precedência sobre a urna eletrônica. O projeto é inviável para as eleições de 2022, custaria R$ 2 bilhões para ser implantado, mas o que os bolsonaristas buscam não é melhorar o sistema, mas transformá-lo em mais confuso. O bolsonarismo cresce no barulho.

    Publicidade

    Em entrevista à Renata Lo Prete, do G1, a antropóloga Isabela Kalil, estudiosa do bolsonarismo, compara a teoria da conspiração sobre fraude nas urnas à uma apólice de seguro de Bolsonaro para o caso de uma derrota em 2022. “Se perder, ele pode dizer que a eleição foi fraudada e assim manter a sua base aquecida. Assim mesmo com uma derrota, ele manteria uma parte do eleitorado a seu lado sem acreditar no sistema”. É a mesma tática usada por Donald Trump. Kalil nota outro aspecto das mensagens nas correntes bolsonaristas, a de que a eleição seria controlada pelos militares, estando acima da Justiça Eleitoral.

    Depois da defesa dos golpistas nos EUA e das substituições do ministro da Defesa e dos comandantes das Forças Armadas e da submissão do Exército com a absolvição do general Eduardo Pazuello, seria natural entender a propagação das mentiras sobre fraudes eleitorais como uma preparação para uma tentativa golpe. Em entrevista ao repórter Chistian Kein, do Valor, o historiador Francisco Teixeira, especialista em questões militares, faz uma análise sofisticada:

    Publicidade

    “Estamos tratando essa crise olhando pelo retrovisor. O modelo de Bolsonaro não é o Brasil de 1964, é a Bolívia de 2019 e a invasão do Capitólio de Washington, em 2021”, afirma, numa referência a tentativas de golpes baseadas na atuação ou na inação das polícias. Para Teixeira, mais do que uma quartelada ao estilo clássico, com tanques na rua, o presidente trabalha para corroer a unidade dos militares para que eles não o atrapalhem em seu projeto autoritário, de não aceitar o resultado eleitoral em caso de derrota em 2022. A ideia da fraude carrega dentro de si a ideia de deslegitimação da democracia.

    Publicidade

    Publicidade

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Domine o fato. Confie na fonte.

    10 grandes marcas em uma única assinatura digital

    MELHOR
    OFERTA

    Digital Completo
    Digital Completo

    Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de R$ 2,00/semana*

    ou
    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de R$ 39,90/mês

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.