Chegamos ao final de mais um ano e é hora de fazer um levantamento das séries que se destacaram em 2014. Este foi um bom ano, ao menos em termos de séries. As boas estreias e retornos aumentaram o número de produções que valeram a pena assistir.
A entrada do site de streaming Amazon no mercado de séries também trouxe uma nova opção de boas produções. No ano que vem o Yahoo! fará sua estreia neste mercado. O sucesso da produção dos sites de streaming, que está se tornando uma presença recorrente no circuito de premiações, pode elevar mais o nível de qualidade das séries na disputa pela audiência e pela aceitação crítica. Vamos ficar na torcida.
Este ano não foi fácil elaborar a lista de Top 10. Isto porque mais produções conseguiram se destacar das demais, seja pela proposta ou pelo desenvolvimento de personagens, o que dificultou sua seleção. Quem já acompanha meu trabalho há mais tempo sabe que não monto esta lista com base na audiência de uma produção ou na popularidade que surge em torno desta ou daquela série. Meu interesse em listar as melhores produções a cada ano é o de reconhecer os trabalhos daqueles que se empenharam em atingir o potencial de uma série, através do desenvolvimento de propostas, situações e personagens, tendo como referência seu conteúdo e não os interesses do público ou do mercado.
Portando, esta lista é o resultado da minha opinião do que é uma boa série. Quem tiver interesse de deixar nos comentários sua própria lista, fique à vontade. Lembrando que o espaço dos comentários não é lugar para extravasar frustrações ou tecer palavrões e ofensas pessoais (que não serão aceitos).
Minha lista inicia com as dez melhores, finalizando com as produções que também valeram a pena assistir. Algumas séries ainda não tiveram todos os episódios de suas respectivas temporadas exibidos. Portando, sua presença na lista se deve à primeira leva de episódios. Aquelas que não foram exibidas no Brasil estão disponíveis no mercado internacional.
Quem tiver interesse em conferir minhas listas anteriores, basta entrar nos links: 2010, 2011, 2012 e 2013.
1. Rectify – 2ªT – Drama – Estados Unidos
Um dos grandes desafios dos produtores de séries que atingem seu potencial logo na primeira temporada é o de oferecer uma segunda que consiga ser tão boa quanto. É muito mais fácil encontrar séries que começam ‘mais ou menos’ e vão melhorando com o passar do tempo. Ao longo dos mais de trinta anos que acompanho séries, várias foram as produções que me conquistaram na primeira e me perderam na segunda, por não conseguirem manter o nível de qualidade proposto. Este não é o caso de Rectify. Depois de brindar o telespectador com uma belíssima primeira temporada, os produtores oferecem uma segunda que consegue superar seu nível de qualidade.
A história apresenta a trajetória de Daniel Holden (Aden Young), um homem condenado à morte pelo estupro e assassinato de sua namorada. Depois de passar quase duas décadas no corredor da morte, ele é liberado graças às novas evidências de DNA. Por ter passado muito tempo no isolamento, Daniel sente dificuldades de se readaptar à sociedade e à sua família.
Na primeira temporada, acompanhamos a forma como Daniel reage ao fato de que agora tem uma vida pela frente. Em seu retorno à sociedade, ele parece viver em um sonho do qual poderá acordar a qualquer momento. Ainda tentando assimilar o que aconteceu, Daniel se coloca à mercê das vontades da família e daqueles que o cercam. Neste primeiro momento, ele ainda reage como um prisioneiro recebendo ordens e seguindo as regras impostas, evitando ao máximo criar problemas. Na segunda temporada, vemos que Daniel está acordando para a sua atual realidade.
Mantendo a narrativa lenta, introspectiva e contemplativa, os novos episódios mostram que Daniel começa a tomar decisões com base em suas opiniões e desejos, revelando um pouco mais de sua personalidade para o público. Neste momento, ele está deixando de ser o sujeito que vive no campo das ideias depois de ter se desconectado com o mundo, para se redefinir como uma pessoa que ocupa um espaço na sociedade e precisa reagir às agressões que sofre no ambiente em que está inserido. A expectativa é a de ver como, com o tempo, Daniel conseguirá conciliar a filosofia de vida que ele construiu para si, com a realidade que vive no momento.
A segunda temporada também mostra um crescimento dos demais personagens, especialmente Amantha (Abigail Spencer), que começa a se dar conta de que seu irmão Daniel já não precisa tanto dela tanto quanto antes. Os pais de Daniel, bem como o casal Ted (Clayne Crawford) e Tawney (Adelaide Clemens), também tiveram momentos belíssimos.
A história avança revelando ao público detalhes sobre o caso que levou Daniel para a cadeia. Os personagens que representam a lei têm uma presença mais significativa, dando a entender que, na terceira temporada (já anunciada), teremos uma trama mais voltada para a forma com que Daniel lida com a justiça dos homens.
Em paralelo, a série mantém a narrativa em dois tempos, ou seja, o presente e o passado, com cenas de flashback de Daniel na prisão. Além destas duas linhas, temos também os momentos ‘suspensos no tempo’, em que Daniel está perdido dentro de sua própria mente, por vezes conversando com pessoas que já faleceram.
2. Olive Kitteridge – Minissérie – Drama – Estados Unidos
Esta é uma minissérie da HBO que levou anos para ser produzida. Apaixonada pela obra de Elizabeth Strout, a atriz Frances McDormand adquiriu os direitos de adaptação. Mas, apesar da importância do livro, que ganhou um Pulitzer em 2009, McDormand teve dificuldades em convencer um canal a investir na adaptação. Até que a HBO concordou em produzir quatro episódios, os quais foram exibidos em dois dias consecutivos.
Para quem gosta de série que trabalha personagens e seus movimentos internos, Olive Kitteridge é um ‘prato cheio’. O livro é formado por treze contos que narram a vida de diferentes moradores de uma pequena cidade do Maine. Entre eles está Olive (McDormand), uma professora de matemática casada com Henry (Richard Jenkins), proprietário de uma farmácia, com quem tem um filho, Christopher (Devin Druid e John Gallagher Jr.), um rapaz que se sente tiranizado pela mãe. No livro a personagem é a protagonista de alguns dos contos. Em outros, ela é a coadjuvante. Na versão para a TV, a história transcorre vinte e cinco anos mantendo o foco em Olive e Henry. Os demais moradores são transformados em coadjuvantes ou figurantes.
Olive não é uma pessoa fácil de se conviver. Extremamente sincera e objetiva, inteligente e com um senso de humor cáustico, ela se desconectou de seus sentimentos. Tudo o que acontece na vida de Olive se mantém no nível racional. Isto não significa que ela não se emocione. Mas são emoções escondidas, sufocadas. Olive não se permite rompantes emocionais, nem tampouco aguenta a companhia de gente que ela considera burra. Observando, julgando e condenando, ela passa pela vida como uma mulher honesta, depressiva e imutável, que está presa ao seu estilo de vida e à maneira como ela vê o mundo e as pessoas, com as quais tem dificuldades de se relacionar, o que a torna uma mulher solitária. Nem por isso Olive lhes dá as costas. Ao longo da minissérie, ela não se nega a ajudar pessoas que estão passando por um momento difícil.
Olive mantém uma relação desgastada, porém profunda, com seu marido, um homem romântico e sereno que ainda consegue ver beleza no que está à sua volta. No entanto, ele também já está acomodado ao seu estilo de vida. Henry verdadeiramente ama sua esposa e, apesar de não conseguir ultrapassar a muralha que ela ergueu à sua volta, ele está satisfeito em tê-la como sua companheira. Já o filho do casal é um jovem que tenta se manter afastado do contato com os pais o máximo possível, culpando a mãe por todos seus problemas.
Com um belíssimo final, a minissérie trabalha de forma delicada e profunda os relacionamentos de um casal maduro e os problemas que surgem ao longo dos anos. A vida no interior dos EUA também faz parte do desenvolvimento de personagens, bem como o silêncio. Cada personagem é rico em sua composição, mesmo aqueles que aparecem muito pouco ou quase não têm diálogos. Mesmo eles não sendo o foco da minissérie, cada personagem deixa clara sua existência e trajetória, bem como seu potencial para conduzir sua própria história.
As situações são apresentadas utilizando a narrativa dos contos, ou seja, são momentos soltos da vida desses personagens que poderiam ser utilizados como episódios independentes.
3. Mad Men – 7ªT (1ª parte) – Drama – Estados Unidos
Estamos a poucos episódios do final de Mad Men. A primeira leva da última temporada foi exibida este ano. Os sete últimos episódios irão ao ar em 2015. Pelo que sei, eles já foram filmados, na sequência da primeira leva exibida. Portanto, o destino de cada personagem já foi definido.
A primeira leva da última temporada apresenta ao público a ideia do fim de uma era (tanto em relação à história quanto à produção da série). Todos à volta de Don Draper (Jon Hamm) estão tratando de garantir seus respectivos futuros, enquanto ele está ficando para trás, sozinho. Perdendo aqueles que o cercam, Don está dividido entre a insatisfação que ele sente com sua vida, o que o leva a desejar mudar, e a tentativa desesperada de se agarrar ao mundo que conhece, para continuar fazendo parte dele. Esta busca pelas mudanças e o temor de abandonar o que conhece também é retratado na forma como Don e Megan (Jessica Paré) vivem atualmente. Ele em Nova Iorque e ela em Los Angeles. Vivendo na ponte aérea ele, simbolicamente, está indo e vindo entre seu passado e o presente.
Este é o retrato do final da década de 1960, quando o caos social e político fazia surgir em muitos o saudosismo por um passado conhecido, enquanto outros aguardavam ansiosamente pelas mudanças que os novos tempos traziam. A humanidade está dando um grande salto para o futuro, e Don compreende que é chegada sua hora de passar o bastão para seu sucessor. Mas, como sempre, cabe a ele decidir de que forma deixará para trás o mundo que construiu à sua volta.
Na segunda leva de episódios da última temporada, conheceremos o futuro dos personagens. Saberemos como será o resto de suas vidas.
[Algumas pessoas podem considerar este parágrafo um spoiler] Vale mencionar a bela cena de despedida de Bert (Robert Morse). Cantando que as melhores coisas da vida são de graça, Morse satisfez a vontade dos fãs de vê-lo novamente cantando e dançando. Uma das inspirações de Matthew Weiner para a série é o musical How to Succeed in Business Without Really Trying, estrelado por Morse. Nada mais justo que ele saísse de cena nos remetendo ao trabalho que o lançou.
4. Devil’s Playground – Minissérie – Drama – Austrália
Quem acompanha o cinema independente internacional deve ter visto, ou ao menos ouvido falar, do filme The Devil’s Playground, produção australiana de 1976 que se tornou cult. O filme, situado na década de 1950, contava a história de Tom (Simon Burke), um garoto que vive em um internato administrado pela igreja católica. A história faz um balanço da descoberta da vida e da sexualidade por parte dos adolescentes e a crise de identidade pelas quais os padres passam. Tendo conquistado seus objetivos de vida, eles começam a questionar sua fé e suas escolhas.
Após anos sendo questionado por fãs do filme sobre o que teria acontecido a Tom, o ator que o interpretou no cinema conseguiu autorização do diretor, roteirista e produtor do filme, Fred Schepisi, para produzir uma continuação da história.
Assim surgiu a minissérie Devil’s Playground, que mostra Tom trinta e cinco anos depois dos fatos ocorridos no filme. Para assistir à minissérie, não é necessário ter visto o filme. A referência serve apenas como curiosidade, visto que se trata de uma história independente, embora seja situada no mesmo universo. Na minissérie, ao contrário do filme, temos uma trama que lida claramente com a questão da pedofilia na igreja.
A minissérie é situada no final da década de 1980, período em que a igreja católica da Austrália recebeu diversas queixas contra padres que teriam abusado sexualmente de crianças que estavam sob seus cuidados. Isto gerou alguns movimentos dentro da própria instituição entre liberais vs. conservadores.
A história tem início em 1988. Tom (novamente interpretado por Burke), agora viúvo, é um psiquiatra e pai de dois filhos. Católico praticante, ele tenta educar os filhos dentro da fé cristã. Um dia ele recebe o convite do Bispo John McNally (John Noble) para atuar como conselheiro dos padres. A razão pela qual o Bispo faz este convite é para poder colocar entre seus pacientes um padre que vem tendo dificuldades de controlar seus impulsos sexuais. Seduzindo pré-adolescentes, o padre se tornou um estorvo para a alta cúpula da instituição que luta para abafar o caso. Neste meio tempo, um rapaz aparece morto. Suicídio? Acidente? Assassinato? Um colega de escola sabe a razão pela qual o rapaz morreu, mas tem medo de fazer acusações.
Esta não é uma minissérie policial ou jurídica, nem tampouco uma produção sensacionalista. Devil’s Playground tem como objetivo retratar a tomada de consciência de uma sociedade. Na história, vemos que não são apenas os moradores que ignoravam as atividades deste padre. Alguns de seus colegas na instituição também não estavam a par da situação. Entre eles, o Bispo Vincent Quaid (Dan Hany), um sujeito ambicioso, porém honesto, que não consegue estabelecer uma boa comunicação com a comunidade em função de sua visão muitas vezes preconceituosa. Ao tomar conhecimento das atividades de um dos membros da instituição que representa, ele se vê em uma encruzilhada: denunciar o caso ou defender a igreja? Em meio a estes interesses políticos temos Tom, um católico devoto que tenta manter sua fé em uma instituição que faz de tudo para esconder ‘seus pecados’.
A história é muito bem desenvolvida de forma a apresentar os fatos e as ideologias de cada grupo. A minissérie não se estende a ponto de introduzir o ponto de vista do governo ou das leis. Ela se restringe a um questionamento moral entre interesses da igreja e os direitos do cidadão.
5. Transparent – 1ªT – Drama – Estados Unidos
Esta série foi criada por Jill Soloway, filha de um psiquiatra que, há cerca de três anos, decidiu assumir ser um travesti. Segundo ela em entrevistas, a revelação não lhe causou choque, mas a compreensão do ambiente em que cresceu, o qual tinha gerado nela um desconforto em torno da visão tradicional sobre o que é masculino e o que é feminino. Embora não seja uma produção autobiográfica, a série é, visivelmente, inspirada nesta descoberta visto que, ao invés da primeira temporada focar a história no protagonista, Mort/Maura, interpretado por Jeffrey Tambor (Arrestd Development), ela mantém a atenção na vida dos filhos.
Na história, acompanhamos a vida de Mort/Maura, seus três filhos e a ex-esposa em dois períodos de tempo: o passado e o presente. Ao longo da temporada, vemos a forma como os personagens lutam para entrar em contato com sua verdadeira identidade, a qual não representa, necessariamente, aquela que lhe é determinada quando nasce. Em um olhar mais amplo, a série retrata a luta de pessoas tentando viver em uma sociedade que cobra, culpa e penaliza uns aos outros por seus problemas. Representada pela família de Mort, a sociedade revela como as decisões de um indivíduo refletem na vida de cada um, seja de forma positiva ou negativa.
Talvez fosse mais interessante ver a série dando mais atenção ao personagem de Mort/Maura, e não tanto aos filhos, em função de sua situação. Mesmo assim, a primeira temporada de Transparent surpreendeu. Seja pela complexidade dos personagens, seja pelo desenvolvimento das situações. Nada é definido como certo ou errado, os personagens não tentam conquistar a simpatia do público, e o roteiro não se vê obrigado a seguir uma única história. A trama não está restrita à transformação de Mort em Maura. Na verdade, esta situação é apenas um meio para mostrar a trajetória de uma família disfuncional que ainda não amadureceu emocionalmente.
6. The Leftovers – 1ªT – Drama – Estados Unidos
Adaptação da obra de Tom Perrota, The Leftovers se tornou a produção amea-a ou deixe-a do ano. Uma parte do público amou a série, outra odiou, e tem aquela parte que nem se deu ao trabalho de conferir. Para estes sugiro que não deixem de assistir a primeira temporada desta série da HBO, mesmo que depois venham me xingar por não ter gostado. Esta é uma das produções mais fora do comum dos últimos anos e que me remeteu à britânica O Prisioneiro, produção que trabalhou diversas temáticas de forma simbólica, fazendo com que o público da época tivesse dificuldade de entender do que se tratava a série, despertando no final o amor e o ódio daqueles que esperavam uma história que explicasse situação por situação o que estava acontecendo.
A série se propõe a mostrar para o público como as pessoas reagem à perda inexplicável de familiares ou amigos em larga escala. Um dia, sem a menor explicação, 2% da população da Terra desaparece no ar, entre crianças, homens, mulheres, crentes e ateus. Ninguém sabe o porquê ou como. Ao invés de nos mostrar a reação imediata da sociedade ao fato, a história dá um salto de três anos, introduzindo o telespectador a um novo mundo sobre o qual ele nada sabe a respeito. Aos poucos, o público vai sendo apresentando aos personagens da trama, suas motivações e forma como conduzem sua vida dentro de uma sociedade que se parece com a de hoje, mas culturalmente diferente. A história de cada um é apresentada em dois tempos: o passado, onde vemos como era vida dele antes do desaparecimento da população; e o tempo presente, onde somos introduzidos à forma como ele vive agora.
O que mais chama a atenção neste primeiro momento da série é a profundidade dos personagens e a complexidade de suas ações. Algo que não esperava encontrar em uma história que, ao ser anunciada, dava a entender se tratar de uma série focada na ação e no mistério. Não é. O foco desta produção, ao menos em sua primeira temporada, é a psicologia dos personagens e a estrutura sócio-cultural que surgiu com o desaparecimento de parte da população. O mistério em torno do desaparecimento não é discutido neste momento.
Outra questão trabalhada na série que também chama bastante a atenção é sua referência bíblica. Situações, personagens e ideias são, simbolicamente, associadas às passagens e personagens da Bíblia. A começar pelo próprio desaparecimento, que para muitos seria um ato divino. Assim, temos o pastor Matt (Christopher Eccleston) que, tendo ficado para trás, tenta provar que aqueles que partiram não poderiam ser os escolhidos de Deus. O mistério leva a sociedade a se tornar uma espécie de Torre de Babel, onde grupos se formam expressando diferentes ideias e opiniões, sendo que um grupo não compreende e não aceita o outro. A situação em que a sociedade se encontra cria diferentes Messias que fazem promessas, espalham a palavra e impõem regras, explorando a fé de uns e desafiando o ceticismo de outros.
Esta não é uma série fácil de acompanhar, especialmente para aqueles que necessitam de ação e respostas para cada episódio ou situação criada. Ela é mais indicada para quem busca produções que desenvolvem lentamente sua proposta, indo além do óbvio, podendo oferecer diferentes interpretações.
A primeira temporada foi toda inspirada no livro de Perrota. Em função disso, a segunda trará situações e roteiros originais. Resta saber se os produtores conseguirão manter o nível da primeira, ou se afundarão a série nos clichês explorados pelas produções que tratam de mistérios e conspirações, se rendendo aos interesses do público acostumado a este tipo de entretenimento.
Vale lembrar que, com The Leftovers, a HBO provou que está disposta a sair de sua zona de conforto, indo além das produções hollywoodianas que, mesmo não conquistando o público por sua história ou personagens, encantam os olhos. Esta série poderia ser classificada como uma representante do circuito alternativo.
7. Rev. – 3ªT – Dramédia – Inglaterra
Esta é uma série britânica que traz um tema pouco trabalhado neste formato: a vida de um Reverendo e sua luta para cultivar sua fé em um mundo sufocado pelo materialismo, pela burocracia, pela política da instituição e por diferentes formas de entretenimento.
Tom Hollander, cocriador da série, é Adam, um Reverendo anglicano que saiu do interior para pregar a palavra de Deus em uma igreja de um bairro de Londres. Enfrentando a concorrência com a indústria do entretenimento, bem como com o dia a dia agitado dos membros de sua paróquia, ele tenta encontrar uma forma de cumprir com suas funções. A cada dia ele vive um conflito moral. Responsável por uma igreja decadente, tanto em sua estrutura física quanto em relação aos membros, Adam precisa manter as portas sempre abertas para quem quiser procurá-lo com algum problema, verdadeiro ou não.
Embora ela não tenha sido oficialmente cancelada, os produtores manifestaram em entrevistas que a série já teria atingido seu limite. Portanto, a terceira temporada pode ser considerada a última. Quem acompanhou os últimos episódios produzidos surpreendeu-se com a mudança de tom da série. Nas duas primeiras temporadas, Rev. apresentou histórias que se apoiavam em situações cômicas. Nesta última, a série adotou um tom mais dramático para finalizar a trajetória de Adam e de seus amigos.
Na história, ele enfrenta as pressões da igreja para fazer com que sua paróquia tenha lucro. Missão que ele já percebeu não ser capaz de realizar. Temendo que sua igreja seja fechada por falta de verba, Adam tenta descobrir uma forma de reverter a situação. Entre elas, unir forças com a religião muçulmana, aceitar a ajuda de um contador recém saído da cadeia, abrir as portas da igreja para uma exposição de arte, etc. As pressões do cargo que ocupa, suas constantes crises de insegurança, e o fato de ser pai de primeira viagem levam Adam a cometer um erro. Ele dá um beijo em Ellie (Lucy Lieman), a mulher por quem ele sentiu atração diversas vezes. Este beijo dá início à sua queda a qual, simbolicamente, retrata a trajetória dos últimos dias de Jesus Cristo até sua ressurreição.
Ao longo dos episódios, vemos a forma como os roteiristas conseguiram encaixar na trama e aproveitar personagens para retratar a última ceia, a traição de Judas, o julgamento público, a negação de discípulos, a via sacra, o diálogo com o Pai, Pilatos lavando as mãos, o enterro, a visita ao túmulo e a própria ressurreição, entre outros.
Abordando diferentes aspectos da crença vs. religião, Rev. apresentou ao longo de sua produção um belo retrato dos conflitos modernos do ser humano. Há muitos anos que não se via uma topical sitcom com coragem de abordar tão abertamente e de forma séria e profunda temas tão polêmicos como aqueles que cercam a fé e a religião. Não pensem com isso que esta seja uma produção didática que tenta convencer o telespectador sobre a existência de Deus em meio a debates teológicos. Rev. é uma série sobre o ser humano, seus conflitos, seus interesses, suas necessidades e o que significa fazer parte de uma sociedade.
8. True Detective – 1ªT – Drama – Estados Unidos
Esta é outra série da HBO que dividiu a opinião pública, não pela sua estética ou forma de contar uma história, mas pela maneira como a trama encerrou. True Detective também dividiu opiniões por não ter dado mais atenção às mulheres, que aparecem como coadjuvantes e submissas aos personagens masculinos. Mas levando em consideração que a história é apresentada sob o ponto de vista de dois detetives da polícia que vivem centrados em seu próprio mundo e passam por uma experiência que afeta suas carreiras, seus relacionamentos e sua forma de ver a vida, True Detective conseguiu oferecer uma ótima primeira temporada.
Esta é uma série antológica, ou seja, cada temporada traz um elenco de personagens/atores diferentes e conta uma história própria. Nesta primeira temporada os protagonistas são Matthew McConaughey e Woody Harrelson.
Narrada por duas perspectivas, a história acompanha os detetives Rust Cohle (McConaughey) e Martin Hart (Harrelson) que em 1995 investigam o o assassinato de uma mulher na Louisiana. Dezessete anos depois, o caso é reaberto e os próprios detetives passam a ser questionados pela polícia, que ainda tenta entender o caso. Passado e presente são apresentados em paralelo, mesclando elementos dos gêneros policial e de terror em três linhas de tempo: 1995, 2002 e 2012.
O caso que os detetives investigam não é de fato o foco da história, apenas um meio para apresentar ao público a trajetória e a transformação psicológica e espiritual desses dois personagens centrais.
Martin é um machista que mantém uma vida ordinária e uma visão de mundo restrita. Casado e com filhos, ele tem uma amante com a qual ele busca esquecer os problemas pessoais e o estresse do trabalho. Preocupado com sua carreira, ele se vê obrigado a formar parceria com Rust, um sujeito pessimista, cético e fechado em si mesmo, que não vê muito sentido para a existência humana. Rust ainda não conseguiu superar a morte da filha e o fim de seu casamento, o que o leva a se agarrar a uma filosofia própria sobre o sentido da vida. Tendo passado um período trabalhando como policial infiltrado no mundo do crime, ele é transferido para o departamento de polícia da Louisiana. Vivendo uma crise existencial que o leva a expressar continuamente suas ideias sobre o mundo e as pessoas, ele se dedica unicamente aos casos que investiga.
Cercando-se de simbolismos e oferecendo personagens fortemente influenciados pelo ambiente em que vivem, True Detective trabalha com questões relacionadas à psicologia de massa e a forma como ela age no comportamento moral da sociedade.
9. Getting On – 2ªT – Dramédia – Estados Unidos
Este é um remake americano de uma bela série britânica produzida entre 2009 e 2012. Infelizmente, não conheci a versão original na época em que foi produzida. Somente fui apresentada a ela quando comprei o box com as três temporadas (quem tiver a oportunidade de assistir, não perca, vale muito a pena).
A diferença entre as duas séries é visível. Embora reaproveite o mesmo ambiente e personagens (estes com algumas diferenças em sua história), a versão americana está seguindo seu caminho, oferecendo situações próprias. A abordagem também é mais leve que aquela vista na série britânica, a qual traz uma visão mais crua e depressiva do ambiente retratado. No original, as histórias estão mais focadas no sistema de saúde da Inglaterra e a burocracia que rege os trabalhos dos médicos e enfermeiras em contraste com as necessidades dos pacientes. A versão americana também aborda estas questões, mas elas não são o foco da série, que se apóia nos problemas pessoais de pacientes e funcionários.
A história é situada na ala geriátrica feminina de um hospital municipal. A médica responsável é a Dra. Jenna James (Laurie Metcalf), uma mulher sem qualquer tato social que mantém seu foco no trabalho, mesmo estando sobrecarregada em sua função. Na equipe está a enfermeira Dawn Forchette (Alex Borstein), uma mulher que se importa com as pessoas, mas tem problemas de autoestima. Seu marido a deixou e ela tem a tendência de deixar seus problemas pessoais interferirem em seu trabalho. Dawn está tentando ‘fisgar’ Patsy De La Serda (Mel Rodriguez), o supervisor dos enfermeiros, um homossexual que vive estressado em função dos conflitos emocionais que tem em relação à Dawn, bem como pelas diferenças de opiniões que existem entre ele e a Dra. James. No setor também trabalha Denise Ortley (Niecy Nash), mais conhecida como Didi, que voltou a trabalhar como enfermeira. Casada e com filhos, Didi é a que demonstra mais empatia com os pacientes que passam pelo hospital.
Após uma bela primeira temporada (que se aproximou do original), a série retorna com mais força em seu segundo ano. Roteiros e personagens estão melhor definidos, o que leva a uma segurança maior por parte dos produtores em explorar a proposta da série.
Enquanto a TV americana está repleta de séries médicas que mostram os dramas de pacientes que lutam para ter um futuro, Getting On faz o caminho inverso, apresentando o drama de pacientes que já estão esperando a morte chegar. Médicos e enfermeiras giram à sua volta com seus problemas pessoais e de trabalho, algo que, para estes pacientes, já não têm a mínima importância ou significado. A morte é uma constante nesta ala do hospital. O trabalho dos funcionários é o de dar conforto aos pacientes em seus últimos dias. Ainda assim, o ego daqueles que deveriam fazer isso, aliado às regras do sistema, levam a um distanciamento físico e emocional, que beira ao desconforto.
A série ainda corre o risco de se afastar demais do original e perder seu foco, transformando-se em uma produção mais preocupada em fazer o público rir que tratar das condições físicas e emocionais em que vivem estes pacientes e profissionais, pressionados por um sistema de saúde burocrático e frio. Mas, ao menos neste momento, ela tem sido uma boa adaptação.
10. The Missing – 1ªT – Drama – Inglaterra
Esta é uma produção que estreou como minissérie, mas a boa receptividade crítica e de público levou o canal BBC1, em parceria com o americano Starz, a renová-la. Seguindo a tendência do momento, a série retrata uma história/personagens diferente por temporada. Nesta primeira, temos a trajetória de Tony (James Nesbitt), um pai obcecado em encontrar seu filho que desapareceu em uma pequena cidade da França, pela qual a família passava de férias.
Ao longo dos oito episódios produzidos, a série apresentou uma história narrada em duas linhas de tempo (2006 e 2014), sendo que, em um determinado momento, o público ainda testemunha fatos ocorridos entre esses dois tempos. A história tem início em 2014, quando Tony encontra uma nova pista sobre o desaparecimento de seu filho, ocorrido em 2006. Isto o leva de volta à França, onde ele entra em contato com o detetive que conduziu as investigações, agora aposentado. Depois que o caso é reaberto, eles passam a procurar novas evidências que os levem a descobrir o que aconteceu com Oliver. Em paralelo, o público acompanha os fatos ocorridos em 2006, desde o momento em que a família chega na cidade onde Oliver desaparece, até as últimas investigações em torno do caso.
O grande mérito de The Missing é a forma cuidadosa com a qual os roteiristas constroem o suspense, desenvolvendo a trama e seus personagens, sem deixar de lado as histórias paralelas. Desde a primeira cena fica claro para o telespectador que as investigações realizadas pela polícia em 2006 não deram em nada. Mesmo assim, a trama é desenvolvida de tal forma que ficamos ansiosos em saber como ela foi conduzida, quem eram os envolvidos e quais pistas foram apuradas. Estas cenas são necessárias para que o telespectador consiga compreender o que está ocorrendo no tempo presente visto que, neste período, nada é explicado nos diálogos ou nas ações dos personagens. Lentamente, os episódios revelam novos personagens e sua relação com o caso, bem como pistas que levam a uma conclusão. Ao contrário de boa parte das séries de mistério e suspense, The Missing oferece personagens muito bem construídos, que caminham lado a lado com a ação.
Ao longo da história vemos a forma como o desaparecimento de Oliver (Oliver Hunt) tomou conta da vida de Tony e destruiu seu casamento. Enquanto ele ficou preso à ideia de encontrar o menino, sua esposa Emily (Frances O’Connor) seguiu em frente com sua vida, envolvendo-se com outro homem, pai de um menino quase da mesma idade de Oliver. Também acompanhamos a história de Julien (Tchéky Karyo), o detetive responsável pela investigação, que tem um relacionamento complicado com a filha, usuária de drogas, mas consegue manter um casamento sólido. A história também acompanha a vida de alguns dos suspeitos investigados, suas motivações e as consequências de seu envolvimento com o caso, bem como a trajetória de outros policiais encarregados das investigações e a de Malik (Arsher Ali), um jornalista que utiliza todos os meios para ser o primeiro a descobrir o que aconteceu com Oliver.
[Este parágrafo contém spoilers] Muitos ficaram decepcionados com a forma como a história encerrou, oferecendo uma situação em aberto. Não foi o meu caso. Desde o início os roteiristas deixaram bem claro que The Missing era uma história sobre a obsessão de um pai em encontrar seu filho, a qual tomou conta de sua vida e de seus pensamentos. O que me decepcionou no último episódio foi a forma como a verdade é revelada para o público. Embora utilize elementos e personagens típicos de uma trama policial, The Missing conseguiu, ao logo de toda a história, construir um roteiro capaz de manter o suspense. Cuidando dos detalhes que cercam o caso, os roteiristas desdobraram a trama aos poucos, pista por pista. Mas, no último episódio, eles abandonaram este desenvolvimento para mergulhar no maior clichê de histórias policiais que existe: revelar a verdade através de um relatório feito por um dos personagens que explica cada detalhe do que aconteceu, até mesmo situações sobre as quais não testemunhou. Para mim, este foi o grande erro de roteiro desta primeira temporada da série.
Outras séries que valeram a pena conferir em 2014. A relação abaixo segue a ordem alfabética:
Comédia/Dramédia: Alpha House, Black Mirror (especial natalino), Broad City, Californication, The Comeback, Derek, Detectorists, Episodes, Doll & Em, Friday Night Dinner, Girls, Hello Ladies (especial), Inside Nº9, The Life of Rock With Brian Pern, Lilyhammer, Looking, Louie, Modern Family, Moone Boy, My Mad Fat Diary, Nixon’s the One, Nurse Jackie, Orange is the New Black, Outnumbered, Parks and Recreation, Please Like Me, Quick Draw, Silicon Valley, The Trip, Utopia (Austrália), Veep, You’re the Worst, The Wrong Mans.
Drama: The Affair, The Americans, Boardwalk Empire, Borgia, Bron/Broen, The Doctor Blake Mysteries, Endeavour, The Fall, Fargo, Gomorrah, The Good Wife, Happy Valley, Hinterland, House of Cards, Inspector George Gently, Justified, The Knick, The Legacy/Arvingerne, The Line of Duty, Manhattan, Peaky Blinders, Ripper Street, Sherlock, Shetland, Sons of Anarchy, Vera, The Village.
Ficção Científica/Fantasia: Doctor Who, Game of Thrones, Orphan Black, Penny Dreadful.
Minisséries: 37 Days, The Worricker Trilogy.