Volta do ‘Linha Direta’ expõe contradição da Globo ao lidar com violência
Programa retorna às telas em 4 de maio, pouco depois de a emissora mudar sua política de cobertura de crimes para não dar palco a assassinos
No dia 4 de maio, o Linha Direta volta à Globo em versão repaginada, sob o comando de Pedro Bial. Sucesso de audiência nos anos 2000, o programa que dramatiza crimes reais trará o caso Eloá entre as reconstituições, em um episódio que terá o feminicídio como tema. O retorno evidencia uma espinhosa contradição: em meio aos ataques e ameaças a escolas nas últimas semanas, o grupo Globo, seguindo a recomendação de especialistas, mudou acertadamente sua política de cobertura jornalística, vetando a citação de nome e imagem dos autores de massacres. Enquanto isso, porém, trará de volta um programa de veia sensacionalista pautado, primordialmente, pela exposição de crimes reais e “assassinos famosos”.
O momento não poderia menos adequado para a exumação do antigo sucesso de ibope. A volta do Linha Direta foi anunciada em outubro do ano passado, na esteira do sucesso do gênero true crime. Mas o lançamento chega em meio a discussões importantes sobre o perigo de dar palco a assassinos, colocando a emissora em uma corda bamba com o trato que dá a crimes violentos. Quando mudou sua política de cobertura, na semana passada, a Globo reverberou a preocupação de especialistas de que dar visibilidade a agressores pode servir de estímulo a novos ataques. “Estudos mostram que os autores buscam exatamente essa ‘notoriedade’, por pequena que seja”, escreveu o canal em comunicado. Embora a discussão se concentre em ataques a escolas, a preocupação com o sensacionalismo respinga também em crimes de natureza diversa, que podem servir de inspiração a outras pessoas.
No formato original, o Linha Direta exibia semanalmente crimes não solucionados, usando de dramatizações e depoimentos para recriar os casos, a maioria de teor violento. Canais de denúncia eram disponibilizados ao espectador, que podia contribuir com pistas e informações. Na época, a atração dividiu opiniões: era elogiada pelo poder investigativo e pela capacidade de captar informações, mas criticada pela espetacularização do sofrimento e exposição excessiva de criminosos, assim como concorrentes como Programa do Ratinho, do SBT, e Cidade Alerta, da Record.
Na nova roupagem, Bial apresentará um caso já solucionado e outro em aberto – os canais de denúncias seguem como parte da atração, e as novas tecnologias prometem esmiuçar ainda mais a investigação dos crimes. A ideia, no entanto, é que os episódios tenham linhas temáticas, explorando tópicos atuais, como o feminicídio e a violência contra a comunidade LGBTQIA+. Resta saber se o trato será responsável (e relevante) o suficiente para compensar reviver atos criminosos que mereciam o ostracismo.