‘The Last of Us’: o que é real e ficção em alerta da série sobre os fungos
Produção descreve pandemia causada por micro-organismo que de fato existe, mas chance de que ele afete humanos é quase nula
No primeiro episódio de The Last of Us, uma dupla de cientistas vai a um programa de entrevistas dos anos 1960 alertar para os riscos de uma pandemia. Enquanto um deles foca na ideia de uma catástrofe causada por vírus, como a de covid-19, o outro escolhe uma alternativa mais improvável: uma infecção fúngica contra a qual seria quase impossível lutar. Para exemplificar seus receios, ele cita um processo perturbador em que um fungo toma o corpo de formigas transformando os pequenos seres em zumbis. Décadas depois, com o aumento da temperatura no planeta, o micro-organismo evolui e passa a infectar também humanos, desencadeando a trama apocalíptica narrada na série.
Embora a história seja ficção, e a chance de uma pandemia de fungos zumbificadores acontecer seja quase nula, o micro-organismo descrito na série é real e atende pelo nome de Cordyceps. Segundo a literatura científica, o fungo atinge exclusivamente insetos, que têm uma temperatura corporal mais baixa que a dos mamíferos, facilitando sua sobrevivência. O contágio acontece por meio de esporos que, uma vez instalados, avançam pelo corpo do animal dominando sua função nervosa e motora. Para sobreviver, o fungo mantém o hospedeiro vivo para crescer e se reproduzir consumindo o corpo do animal. Enquanto isso, cria teias fúngicas ao redor do cérebro e controla o infectado como uma marionete, até o momento em que o fungo eclode do corpo, liberando os esporos no ar e matando o hospedeiro.
Na produção, o processo acontece de maneira semelhante, mas o fungo é passado para os outros, principalmente, através da mordida, em cenas horripilantes em que é possível ver as hifas saindo pela boca do infectado e atingindo um novo corpo. A chance de que o processo aconteça em humanos, no entanto, é extremamente improvável: surtos de micose, como são chamadas as doenças causadas por fungos, acontecem eventualmente, mas a chance de uma epidemia letal de larga escala é baixa. Isso porque, ao contrário dos vírus e bactérias, poucos fungos têm a capacidade de parasitar os homens, e as infecções costumam ocorrer de maneira superficial. Nos últimos anos, no entanto, o número de infecções fúngicas cresceu em todo o mundo, causando preocupação. Isso porque, em pessoas imunossuprimidas ou bebês sem o sistema imune ainda estabelecido, o micro-organismo pode avançar para quadros mais graves, atingindo órgãos internos e levando à morte. Um caso que preocupa é o da Candida auris, espécie pouco conhecida até 2007 e que avançou nos últimos anos, possivelmente por adaptações ligadas ao aumento da temperatura.
Ela, no entanto, obviamente não é capaz de transformar humanos em zumbis — e para que evoluções desse nível acontecessem nos Cordyceps, é provável que o processo durasse milhares de anos. De toda forma, em um cenário distópico, como o da série, em que o fungo evolui e consegue infectar um grande número de pessoas com gravidade, a situação seria realmente preocupante: até hoje, há poucos medicamentos no mercado capazes de combater fungos, especialmente as formas mais graves de infecção — e os que existem podem ser tóxicos, pouco eficientes e de alto custo. Segundo um estudo da Universidade Federal do Paraná publicado em junho de 2018, o custo do tratamento de doenças fúngicas pode superar R$ 400 000 por paciente. Produzir novos medicamentos e vacinas também é um processo delicado, e o diagnóstico do micro-organismo costuma ser lento. Ou seja, se tudo desse errado e um fungo zumbificador se espalhasse pelo mundo, os prognósticos não seriam nada bons para nós.