Seu nome hoje é uma potência da fantasia adulta. Por que o gênero está tão em alta? A fantasia é uma ferramenta fabulosa para ver o mundo. Ela permite ao autor contar coisas grandiosas e muitas vezes verdadeiras sem se limitar aos fatos. Posso falar sobre uma convenção de serial killers ou discorrer sobre o significado da vida contando uma história que acontece a cada 100 anos em um mesmo pub.
Da mitologia à cultura pop, o manancial de referências de Sandman impressiona. Como surgiu a história? A DC (editora de quadrinhos) me deu uma folha em branco, e eu falei sobre a possibilidade de retomar um personagem antigo chamado Sandman. A primeira reação foi “hum, aquelas coisas estranhas”. Eles pediram que, ao voltar a esse personagem, eu deveria fazer a minha versão. Criei então o Senhor dos Sonhos, e o lugar para onde você vai quando fecha os olhos toda noite.
Num episódio marcante da série, o personagem John Dee usa um rubi mágico para subtrair os sonhos das pessoas numa lanchonete, com resultados trágicos. O que quer transmitir com tramas assim? Sandman é um jeito de olhar para nossos sonhos — não só os literais, que acontecem quando adormecemos, mas nossas aspirações, esperanças, aquilo que nos guia. Todos naquela lanchonete estavam seguindo seus sonhos. Mas, sob a perspectiva de John Dee, eles viviam mentiras.
Como assim? Ele quer um tipo de honestidade para o qual a humanidade não foi feita. É daí que a escuridão do episódio vem. Ele expõe o que acontece com as pessoas quando você tira os sonhos delas. Quando você tira, ainda, o controle social. Quem as pessoas se tornam?
Essa visão coincide com a sua? Creio que os sonhos são as coisas mais importantes que existem. Sem a imaginação, nada muda. Sem os sonhos, nada pode ser diferente. Hoje, vivemos num mundo em que os sonhos sombrios de algumas pessoas levam a caminhos perigosos. As pessoas precisam saber que as coisas podem ser diferentes, e melhores. É aquilo em que acredito.
Publicado em VEJA de 10 de agosto de 2022, edição nº 2801