No meio da Caatinga cearense, uma fila se forma em frente ao banco em dia de pagamento. O marasmo dos assalariados, então, é perturbado pelo som de tiros e caminhonetes barulhentas que anunciam: bandidos do sertão chegaram para mais um assalto. O título do seriado Cangaço Novo, já disponível no Amazon Prime Video, não deixa dúvida do que se fala aqui: filmada na Paraíba por cinco meses e com elenco nordestino, a produção do cineasta Aly Muritiba, em parceria com Fábio Mendonça, traz uma visão atualizada sobre bandos criminosos como o do mítico Virgulino Ferreira, o Lampião (1898-1938). Saem de cena, porém, os chapéus e cavalos típicos da imagem que se tem desse universo — o cangaço de agora é infinitamente mais violento, profissional e armado até os dentes.
O realismo de Cangaço Novo tem raízes bem conhecidas: volta e meia, afinal, o país acorda estarrecido com assaltos inacreditáveis em cidadezinhas do interior (não só do Nordeste), nas quais bandoleiros fazem a população de gato e sapato, com mortes e explosões. Após desconstruir o cenário árido do sertão no poético longa Deserto Particular, o baiano Muritiba agora quer transmitir a quem assiste à série a sensação de ser também “praticamente assaltado e feito refém”, afirmou ele a VEJA. A escala da produção é grande e a adrenalina corre solta. Na sequência impactante do assalto ao banco, o grupo criminoso deixa a cena em alta velocidade, como se Mad Max ocorresse no sertão cearense.
Cinema e teatro: Deus e o diabo na terra do sol e Terra em transe
Longe de Hollywood, porém, as referências principais vêm da ação cru latino-americana e respondem a abordagens do próprio cinema nacional e de diversas produções da Globo que já desbravaram o cangaço na ficção. Após o pungente Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), clássico do Cinema Novo de Glauber Rocha, outros retratos foram por vezes romantizados e dramáticos, ou francamente fantasiosos e inofensivos — como é o caso da novela de sucesso Cordel Encantado (2011), com seu bando aparvalhado de cangaceiros.
Em Cangaço Novo, Muritiba e Mendonça não só adicionam violência ao caldeirão: eles investem no exame moral de anti-heróis que, na linha da americana Breaking Bad, são movidos a princípio por uma causa ou necessidade, mas se inebriam com o crime e tornam-se seus reféns. O protagonista Ubaldo (Allan Souza Lima) é um bancário que pena para financiar o tratamento de saúde do pai adotivo, até descobrir que teria direito a uma herança na cidade fictícia de Cratará. Ele parte para recuperar o que lhe pertence, mas lá descobre ser descendente de um famoso cangaceiro, entrando numa disputa de poder na família e no bando que adota. Num faroeste sertanejo, dramas assim se resolvem à bala.
Publicado em VEJA de 18 de agosto de 2023, edição nº 2855
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