Quando Joe e Anthony Russo colocaram as mãos pela primeira vez no best-seller Agente Oculto, do americano Mark Greaney, eles ainda empenhavam seus esforços criativos em Capitão América: Soldado Invernal, o primeiro projeto dos irmãos-cineastas no universo Marvel. A ideia era a de que a adaptação da obra de Greaney fosse desenvolvida após a estreia do longa, em 2014, mas o casamento da dupla com os super-heróis deu tão certo que o projeto teve de esperar. Quase uma década após sua descoberta pelos diretores, a versão filmada da obra enfim chega à Netflix na sexta-feira 22, com a veia de ação enérgica que consolidou a parceria em família no cinema. Protagonizado por Ryan Gosling e Chris Evans, Agente Oculto carrega o peso e as expectativas que o selo Russo ganhou nos últimos anos: cabeças por trás de Vingadores: Ultimato (2019), o segundo filme mais lucrativo da história, eles acumulam 6,84 bilhões de dólares em bilheteria, perdendo apenas para Steven Spielberg (10,55 bilhões de dólares) na lista de diretores de maior arrecadação do cinema.
O segredo para o sucesso, claro, passa pela multidão fiel de fãs da Marvel, que lotaram as salas para conferir as tramas de seu universo de heróis. Mas não só isso: é também fruto de uma sinergia quase mística entre os irmãos, que regem a quatro mãos a orquestra de explosões e lutas épicas das cenas assinadas por eles. Um dos filmes mais caros da Netflix, com orçamento de 200 milhões de dólares, Agente Oculto não foge à regra. Na trama repleta de nomes estrelados, Gosling vive Six, um prisioneiro recrutado pela CIA para se livrar de figuras que ameaçam os planos da instituição. Quando descobre segredos jogados para debaixo do tapete pelo chefe, ele próprio se torna uma ameaça, protagonizando uma caçada de gato e rato com o ex-agente (e psicopata) Lloyd Hansen, vivido com brio por Chris Evans, que aqui passa longe da pose de bom moço do Capitão América. Entre tiroteios num trem, fugas de barco e explosões, são nove sequências de ação comandadas pelos irmãos, e o caçula garante que pensar com duas cabeças não é tão complicado. “É como andar de bicicleta. Quando você faz isso com um familiar por 25 anos, torna-se instintivo”, explicou Joe Russo a VEJA (leia abaixo).
A dinâmica quase siamesa no manejo das lentes tem precedentes: entre o fim da década de 90 e o início dos anos 2000, os irmãos Coen caíram no gosto dos cinéfilos com filmes como Fargo (1996) e o premiado Onde os Fracos Não Têm Vez (2007). Na mesma época, as irmãs Wachowski (naquele tempo, ainda irmãos, pois a transição de gênero de Lana Wachowski ocorreria apenas em 2010) estouraram com a trilogia Matrix, e os belgas Dardenne abocanharam duas Palmas de Ouro no Festival de Cannes. Mais recentemente, os irmãos Duffer entraram para o clubinho ao despontar no streaming com Stranger Things. Em comum, além da relação fraternal, todas essas duplas desenvolveram o gosto por cinema ainda no seio familiar, o que parece reduzir o espaço para desavenças criativas. “Crescemos assistindo aos mesmos filmes, dissecando cada fala. É fácil para nós trabalhar juntos”, explica Joe Russo.
Capitão America – O Soldado Invernal
Principais nomes do universo Marvel e devotos das tramas de ação, Anthony, 52 anos, e Joe, 50, são uma potência inquestionável de público, mas a recepção dos colegas não é tão calorosa. Cineastas como James Cameron, Ridley Scott e Denis Villeneuve já atacaram os longas da Marvel pela fórmula repetitiva. Martin Scorsese foi mais longe ao proclamar que esse tipo de filme não é cinema, e há quem torça o nariz até para o gênero ação em si. Joe rebate os críticos ilustres sem dó. “É uma visão ridícula e elitista que exclui pessoas para alimentar os próprios egos”, dispara. “Eu e meu irmão somos movidos pela inclusão.” Hollywood agradece.
“Ir ao cinema é um privilégio”
Joe Russo, 50 anos, falou a VEJA sobre o novo filme, pressão na Marvel e cineastas que torcem o nariz para a ação.
Como é a dinâmica de trabalho ao lado de seu irmão? Debatemos nossas ideias e decidimos qual é a melhor já faz 25 anos. Transformamos nossa paixão de infância em uma carreira que agora aproveitamos juntos.
A parceria se consolidou no cinema e agora chega à Netflix. É diferente? O trabalho é o mesmo. Não somos esnobes com isso, queremos que nossas histórias cheguem às pessoas. E a Netflix é o lugar menos intervencionista em que trabalhamos.
Acha que o streaming ameaça o cinema? Não. Há espaço para diversas mídias. Tenho quatro filhos e o hábito deles não é ir ao cinema, mas acessar histórias de diferentes formas. Nossa função é apoiar os futuros criadores, e não moldálos a modelos históricos a que somos apegados emocionalmente.
Agente Oculto tem a corrupção como pano de fundo. Filmes de ação podem ser sérios? Claro. São veículos para temas que nos afetam. Gostamos de usar filmes comerciais como alimento para o cérebro. Em Soldado Invernal e Guerra Infinita, por exemplo, há o alerta de não deixar o governo ter poder demais. Agente Oculto também tem comentários sobre a política moderna.
E o que acha de cineastas que dizem que filmes de ação e super-heróis não são arte? É ridículo. Ir ao cinema é um privilégio ainda restrito, e deveria ser acessível a todos os gostos. Não vejo com bons olhos colocar barreiras intelectuais nas histórias. Isso é só um truque para parecer mais inteligente.
O streaming democratiza o entretenimento? Muito, e não por altruísmo. A Netflix é global, precisa capturar audiência em todo o mundo. Isso impulsionou mais a inclusão em dez anos do que Hollywood em 100.
A pressão dos fãs da Marvel é intensa. Sente o peso dela? Na verdade, tentamos sempre ignorar isso. Os fãs têm milhares de opiniões e estão sempre em conflito. Fizemos as histórias a que queríamos assistir.
Publicado em VEJA de 20 de julho de 2022, edição nº 2798
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