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Críticas e análises sobre o universo da televisão e das plataformas de streaming
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Irmãos Menendez e afins: a conversão de criminosos de séries em estrelas

Séries revelam um subproduto incômodo da onda do true crime: a tendência de glamorização de assassinos e a conversão deles em estrelas

Por Kelly Miyashiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 9 out 2024, 12h52 - Publicado em 4 out 2024, 06h00
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  • Em agosto de 1989, os milionários José e Kitty Menendez foram assassinados com tiros de espingarda na sala da mansão onde moravam, em Beverly Hills. Após as investigações, os policiais prenderam os dois filhos do casal, Lyle e Erik, que tinham 21 e 18 anos, respectivamente, e teriam matado os próprios pais para ficar com a herança polpuda — já que José era um grande executivo do ramo musical. No julgamento, os herdeiros argumentaram terem sofrido anos de abusos sexuais e psicológicos do pai, com anuência da mãe. Mas a defesa não convenceu o júri, que condenou a dupla à prisão perpétua, sem direito a liberdade condicional. Desde então, lá se vão trinta anos. Ambos vêm cumprindo suas penas num presídio da Califórnia e não despertavam maior interesse — até agora.

    O ostracismo da dupla cessou subitamente graças ao poder de sedução do streaming: a série criminal Monstros — Irmãos Menendez: Assassinos dos Pais, que ficcionaliza o caso verídico, é o fenômeno do momento da Netflix. A excelente trama de Ryan Murphy já acumulou 153,8 milhões de horas consumidas — e teve um efeito inusitado (ainda que previsível) na sorte dos irmãos matadores. Após tantos anos de esquecimento, entrevistas “reveladoras” com eles são o prato principal do documentário O Caso dos Irmãos Menendez, que chega à mesma Netflix na segunda-feira 7. As conversas foram feitas por telefone, diretamente do presídio.

    DANÇA - A golpista Anna Delvey: tornozeleira eletrônica em reality
    DANÇA - A golpista Anna Delvey: tornozeleira eletrônica em reality (Eric McCandless/Disney/Getty Images)

    A onda em torno dos irmãos parricidas atesta que o filão conhecido como true crime se tornou uma força inquestionável do entretenimento. Mas não só: evidencia um subproduto incômodo do filão, ao glamorizar os autores de malfeitos tão pavorosos — a ponto de alguns agora suscitarem empatia no público e virarem celebridades das redes.

    Mais um exemplo eloquente do fenô­meno é a golpista Anna Delvey. Obje­to de outra dramatização da Netflix, ela fingia ser uma herdeira e enganava hotéis e empresários de Nova York, sendo condenada em 2019 por furtos e roubos. A jovem de origem russa ficou presa por três anos e meio, mas atualmente cumpre prisão domiciliar. A série se revelou seu maior golpe — de sorte. Interpretada por Julia Garner em Inventando Anna (2022), Delvey acaba de participar do reality Dancing with the Stars, matriz do notório Dança dos Famosos. No auditório, sua tornozeleira eletrônica decorada com cristais chamou mais atenção que a habilidade no bailado. Atualmente, Delvey se porta como uma influencer, com mais de 1 milhão de seguidores só no Instagram.

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    Inventando Anna – Rachel DeLoache Williams

    VIDA REAL - Os irmãos Menendez em julgamento: movimento tenta libertá-los
    VIDA REAL - Os irmãos Menendez em julgamento: movimento tenta libertá-los (Ted Soqui/Sygma/Getty Images)

    Muitas vezes, a comoção causada pelas produções do streaming leva até a uma reavaliação dos criminosos. Em 2015, Gypsy Blanchard planejou o assassinato de sua mãe em conluio com um namorado, pois era obrigada pela vítima a se fingir de doente para que a genitora lucrasse com sua exploração midiática. A história ganhou tons ainda mais dramáticos na minissérie The Act (2019), em que Patricia Arquette e Joey King interpretam mãe e filha. Passados oito anos, ela deixou a prisão. Hoje, também ostenta uma carreira de influenciadora digital, compartilhando sua vida com mais de 10 milhões de fãs no TikTok.

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    O livro do crime – Vários autores

    O Brasil não fica atrás quando se trata de transformar crimes em shows televisivos. O Prime Video, da Amazon, produziu três filmes protagonizados por Carla Diaz no papel de Suzane von Richthofen, a jovem de classe média que assassinou os pais junto com o namorado no começo dos anos 2000. Há muitos anos, embora se mantenha discreta, a paulistana arrasta fã-clubes pela internet e deve ganhar novo filme em breve, com a mocinha Marina Ruy Barbosa em seu papel.

    Suzane: Assassina e Manipuladora – Ullisses Campbell

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    FICÇÃO INDIGESTA - Cenas de 'The Act' (à esq.), 'A Menina que Matou os Pais' (no alto, à dir.) e 'Maníaco do Parque' (à dir.): retratos dos assassinos Gypsy Blanchard, Suzane von Richthofen e Francisco de Assis mobilizam espectadores
    FICÇÃO INDIGESTA - Cenas de ‘The Act’ (à esq.), ‘A Menina que Matou os Pais’ (no alto, à dir.) e ‘Maníaco do Parque’ (à dir.): retratos dos assassinos Gypsy Blanchard, Suzane von Richthofen e Francisco de Assis mobilizam espectadores (HULU; Prime Video; Prime Video/.)

    Em 18 de outubro, o Prime Video lança também Maníaco do Parque, filme sobre Francisco de Assis, que estuprou e matou ao menos sete mulheres — ele admitiu seus crimes numa reportagem de capa de VEJA, nos anos 1990. O filme tenta tirar o protagonismo do serial killer, ao centralizar a história numa jornalista fictícia que apura o caso. Mas é evidente que reforçará sua aura macabra. Assis segue preso. Mas, apesar da condenação a 280 anos, pode sair em 2028, já que a legislação brasileira não permite a prisão por mais de trinta anos. O matador recebe milhares de cartas de admiradoras e, com o retrato marcante do ator Silvero Pereira nas telas, é possível que ganhe ainda mais fãs.

    Francisco de Assis, o maníaco do parque – Ullisses Campbell

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    No caso dos irmãos Menendez, a superexposição repentina na série da Netflix trouxe ganhos de imagem inegáveis. Seu sucesso deu origem a um movimento no TikTok e a uma petição on-line com milhares de assinaturas que clama pelo impensável: que os irmãos, representados por Nicholas Alexander Chavez e Cooper Koch, recebam um novo julgamento e sejam libertados. Javier Bardem e Chloë Sevigny, que dão vida aos pais mortos por ambos, opinaram a VEJA sobre as razões de criminosos reais inebriarem o público. “Temos a tendência de tentar entender como alguns indivíduos lidam com seus traumas”, analisou Bardem. “As pessoas são fascinadas pelo que os humanos são capazes de fazer”, disse a atriz. As celebridades do crime estão aí para provar isso.

    Publicado em VEJA de 4 de outubro de 2024, edição nº 2913

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