Um dos grandes sucessos da TV no ano passado, a série O Urso foi celebrada por várias premiações, entre elas a promovida pelo Writers Guild of America (WGA), o sindicato dos roteiristas americanos. Quando Alex O’Keefe, que assina a série, subiu ao palco para receber a estatueta de melhor comédia, ele vestia uma gravata comprada no crédito e um terno pago com uma vaquinha entre amigos. O’Keefe escreveu parte da série da plataforma de streaming Hulu (no Brasil ela é exibida pelo Star+) em uma biblioteca pública, aonde ia quando a energia de seu apartamento no Brooklyn, em Nova York, caía por causa do aquecedor velho. O sucesso da série não melhorou muito sua vida. “É muito difícil bancar uma vida digna em cidades como Nova York e Los Angeles, onde somos obrigados a viver para trabalhar como roteiristas”, contou O’Keefe. Atualmente, ele se reveza com mais de 11 000 profissionais da área na linha de frente da greve que paralisou Hollywood reivindicando melhores condições de trabalho. “Estamos pedindo menos de 2% dos lucros dos estúdios”, declarou ele.
Iniciada no dia 1º de maio por 98% dos membros do sindicato dos roteiristas — e sem prazo para chegar ao fim —, a greve é a primeira da categoria desde a fatídica paralisação de 2008. Na época, Hollywood parou por 100 dias e a economia local sofreu um prejuízo estimado em 2 bilhões de dólares. Na casa do espectador, filmes foram adiados e séries saíram do ar ou acabaram sendo encurtadas. As reivindicações dos roteiristas refletem, ainda, dilemas de diversas profissões em um mercado de trabalho atropelado por mudanças tecnológicas sem a devida regulamentação.
Em um passado não muito distante, antes do advento do streaming, os roteiristas recebiam ganhos residuais significativos com reprises na TV, enquanto as séries eram escritas conforme iam ao ar, com episódios semanais, empregando mão de obra durante toda a produção. “Agora, escrevemos todos os episódios correndo, eles gravam meses depois e o roteirista só vai ter outro projeto daqui a um ano”, explica a brasileira Paula Sabbaga, que trabalhou na série Dinastia, da CW, e em projetos do Disney+.
Cenas de uma revolução – o nascimento da nova Hollywood
Com uma queda de 23% no salário semanal na última década e temendo ser reduzida ao papel de freelancer, a categoria pede o estabelecimento de uma equipe mínima por programa e um número garantido de semanas de emprego por temporada. Outro pedido mais urgente é a proibição do uso de inteligência artificial na escrita de roteiros, ferramenta que tem avançado na indústria. Nos cartazes dos protestos, são comuns frases alfinetando a ferramenta ChatGPT. “Sabe o que o ChatGPT não tem? Trauma de infância”, anunciou um cartaz irônico sobre bagagens humanas essenciais para um bom roteiro. “Eu pedi para o ChatGPT escrever esse cartaz e ficou péssimo”, diz outro empunhado pela atriz Gina Gershon.
Em solidariedade ao movimento, nomes consolidados da indústria aderiram à greve, caso dos irmãos Matt e Ross Duffer, criadores de Stranger Things, e do autor de Game of Thrones, George R.R. Martin. O escritor interrompeu a produção dos roteiros de O Cavaleiro dos Sete Reinos, novo spin-off da saga, e avisou que os textos da segunda temporada A Casa do Dragão, atualmente em gravação, não serão mais revisados ao longo do processo. “Quero deixar registrado meu apoio total, completo e inequívoco à greve”, declarou Martin. É pressão de todos os lados.
Publicado em VEJA de 17 de maio de 2023, edição nº 2841
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