Antes de ‘Round 6’, criador foi da pobreza ao posto de promessa do cinema
Jornada do sul-coreano Dong-hyuk Hwang até o sucesso só não foi mais difícil do que a de seus personagens na série da Netflix
Se levar jeito para a escrita motivacional – o que não parece ser o caso – o roteirista sul-coreano Dong-hyuk Hwang, 50 anos, pode lucrar no filão de autoajuda com sua história de superação e persistência. Criador da violenta série Round 6, uma das mais populares na história da Netflix, Hwang foi do poço das dificuldades financeiras até o posto de nome em ascensão no cinema de seu país.
Nascido em Seul, capital da Coreia do Sul, Hwang foi criado pela mãe e pela avó, assim como o protagonista de Round 6, Seong Gi-hun. O roteirista afirma que há muito de sua história pessoal na série, um hábito que ele cultiva desde o início da carreira. Formado em jornalismo pela Universidade de Seul e, mais tarde, graduado em cinema pela Universidade do Sul da Califórnia, nos Estados Unidos, Hwang foi, assim como outro personagem da série, o promissor Cho Sang-woo, o jovem prodígio de sua humilde vizinhança, que via nele a chance de um futuro próspero para sua família – promessa que demorou a se concretizar.
Hwang começou a produzir seus primeiros curtas aos 30 anos de idade. O prestígio só viria depois dos 40, e o dinheiro, já perto dos 50 — sua fortuna hoje é estimada em 5 milhões de dólares. Em comum, seus roteiros traziam dramas sociais sombrios e pitadas de experiências autobiográficas. Seu primeiro filme, My Father (Meu pai, em português), de 2007, conta a história de um jovem coreano adotado por uma família americana. Quando busca seu pai biológico, ele descobre que o progenitor está no corredor da morte, condenado pela Justiça. A trama, baseada em uma história real, também ecoa a experiência de uma tia do roteirista adotada por americanos e que, anos mais tarde, voltou à Coreia para conhecer a mãe, avó de Hwang.
Foi nesta mesma época, em 2008, que o cineasta teve a ideia para Round 6. Hwang começou a escrever uma história em que adultos participavam de jogos infantis para ganhar dinheiro. O problema é que, ao falhar, os participantes eram brutalmente assassinados. “É uma história sobre perdedores, que enfrentam as dificuldades de uma sociedade competitiva todos os dias, ficando para trás, enquanto os ‘vencedores’ sobem cada vez mais”, disse o roteirista. Na vida real, as dificuldades financeiras fizeram com que ele parasse de escrever o roteiro por um tempo, pois teve de vender seu computador para suprir a falta de dinheiro em sua casa. Um ano depois, com o texto pronto, batalhou por um canal de TV que topasse a ideia de contornos grotescos, o que não aconteceu por dez anos, até a Netflix comprar o projeto. O tempo na gaveta não tirou o caráter atual da obra. “A lacuna entre ricos e pobres se tornou maior (…) Assim como o desejo de ter a sorte de ganhar dinheiro em opções como criptomoeda, ações, imóveis’, diz.
Entre a falência e a produção da série, Hwang não ficou parado. O cineasta lançou três filmes que foram sucesso de crítica e público na Coreia do Sul, trabalho que o tirou do miserê. São eles Silenced (silenciado em português), sobre a história real de uma escola sul-coreana onde crianças com deficiência auditiva eram abusadas por professores; Miss Granny (Miss vovó), uma comédia feminista inspirada na avó de Hwang, sobre uma mulher nonagenária que rejuvenesce e fica com a aparência de 20 anos de idade; e, por fim, A Fortaleza, um drama épico sobre a Coreia do século XVII.
Nada, porém, o preparou para o tour de force que Round 6 demandaria. Hwang escreveu e dirigiu a série inteira sozinho. O trabalho hercúleo cobrou caro: o diretor foi acometido por uma grave crise de estresse, que lhe fez perder seis dentes. Não à toa ele rechaçava a ideia de uma segunda temporada. Porém, recentemente, mudou de ideia: ele fará sim uma nova leva de episódios, contanto que tenha ajuda. Com a fama e o trabalho valorizado, o diretor não terá dificuldades para encontrar quem lhe dê uma mãozinha.