“Caro Sérgio Rodrigues,
O renomado economista Ricardo Amorim, comentando a relação entre o nível de escolaridade da população e os eleitores da presidente Dilma, postou em seu perfil no Facebook a seguinte mensagem acompanhada de gráficos de uma pesquisa Datafolha: ‘Quem estuda, não vota na Dilma’.
Tal comentário suscitou bastante polêmica, e houve quem apontasse um suposto erro gramatical nessa frase em relação ao emprego da vírgula. Um leitor inconformado chegou a retrucar, postando a seguinte mensagem em sua página: ‘Quem estuda não separa sujeito e predicado com vírgula. Sua economia prescinde do português, Ricardo Amorim?’.
A crítica recebeu 806 curtidas e levou o próprio economista a se justificar, dizendo que ‘a vírgula é opcional depois do sujeito oracional’.
Diante dessa controvérsia gramatical, pergunto-lhe: é sempre opcional a utilização de vírgula entre o sujeito oracional e o verbo? Há casos em que essa opção é especialmente recomendável e outros em que seria melhor evitá-la?
Desde já, agradeço-lhe a atenção!”
(André Vinícius Meira)
Ricardo Amorim está certo. O uso que ele fez da vírgula para separar o sujeito oracional do predicado em sua frase é, sim, correto. Mais do que uma possibilidade à disposição de quem escreve, talvez chegue a ser a forma preferível – embora não obrigatória – de lidar com tal tipo de construção no português moderno.
“Quem ama, cuida.” “Quem não faz, leva.” “Quem não sabe, ensina.” São incontáveis os exemplos do gênero em nossa paisagem linguística, tanto em ditos populares quanto na obra de autores clássicos.
Para aqueles pouco inclinados à análise sintática, tais construções se distinguem pelo encontro de dois verbos: ama/cuida, faz/leva, sabe/ensina. O uso da vírgula entre esses verbos – sendo o primeiro parte do sujeito oracional e o segundo, parte do predicado – é tão consagrado que a maioria dos falantes acharia estranho pronunciar as frases acima sem uma pausa no meio.
Isso não quer dizer que a vírgula seja obrigatória. Construções semelhantes também podem ser encontradas sem ela: “Quem ama não mata”, por exemplo. Nesta frase, como se vê, um advérbio de negação se instala entre os dois verbos, exatamente como na criticada construção de Amorim. Seria possível argumentar que a presença do “não” atenua a necessidade da vírgula, mas não creio que seja suficiente para revogar o caráter facultativo de seu uso.
Aí entramos no terreno das opções autorais. Eis o erro fundamental dos críticos do economista na tal polêmica internética: o de tratar a pontuação como um conjunto de regras férreas, quando sua função básica é contribuir para a clareza do texto – o que em muitos casos inclui uma margem de manobra para o autor.
É em nome da clareza que, como destaca o professor gaúcho Cláudio Moreno, a vírgula deixa de ser facultativa para se tornar indispensável quando o verbo se repete – “Quem pode, pode” – ou numa frase como “Quem ama, cobra”, na qual o sinal de pontuação evita que se insinue no entendimento do leitor uma disparatada paixão por ofídios. Aliás, a excelente coluna em que Moreno trata desse tema, aqui, é leitura que recomendo a todos.
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