“Culpamos por nossos desastres o sol, a lua e as estrelas, como se fôssemos vilões por necessidade…” Quando pôs essas palavras na boca do personagem Edmund na peça “Rei Lear”, William Shakespeare demonstrava – o que no seu caso estava longe de ser acidental – uma sabedoria etimológica que desde então vem se perdendo: a consciência de uma suposta relação direta (que Edmund nega) entre o desastre ocorrido aqui na terra e a configuração dos astros no céu.
Como o francês désastre e o inglês disaster, o substantivo português desastre tem como matriz um termo italiano nascido no século 14. Disastro formou-se pela junção do prefixo dis- (que no caso tem valor pejorativo) com o substantivo astro, “estrela”. Tratava-se de uma expressão literal do infortúnio provocado por uma “má estrela”, isto é, uma conjunção desfavorável dos astros.
O Merriam-Webster etimológico lembra que disaster era palavra recentíssima em inglês – tinha chegado via francês por volta de 1590 – quando foi adotada pela ousadia linguística de Shakespeare nos primeiros anos do século 17. O português, chegando na frente, já tinha registros do vocábulo no século 15, o que aponta para uma importação direta do italiano e não do francês, que só acolheu a palavra em torno de 1537.
Se o astro que mora dentro do desastre foi empalidecendo na consciência dos falantes, ainda está muito viva a crença na influência dos corpos celestes sobre a vida na terra, campo de estudo da astrologia. Isso se reflete na língua: uma das acepções do substantivo estrela no dicionário Houaiss é “influência (positiva ou negativa) que supostamente um corpo celeste pode ter sobre o destino de alguém; sorte, destino”.