“Caro Sérgio, tenho lido e ouvido constantemente, pronunciado principalmente por artistas ‘globais’, o uso das palavras ‘gênio’ e ‘ídolo’ flexionadas no feminino: ‘gênia’ e ‘ídala’. Não estamos diante de substantivos sobrecomuns masculinos e que, portanto, não comportam flexão de gênero? Há algum fundamento para tal uso ou é apenas erro crasso? Grato pela atenção.” (Aarão Castro)
Aarão tem razão quando observa que “gênio” e “ídolo” são aquilo que em linguagem técnica se chama de “substantivos sobrecomuns”, ou seja, palavras – referentes a pessoas – que têm apenas um gênero. No caso, masculino, mas também existem vocábulos nessa categoria que são exclusivamente femininos, como “criatura” e “vítima”.
Ou seja: devemos dizer que “ela é um gênio” ou “ela é meu ídolo”. Ponto.
No entanto, mesmo não havendo fundamento gramatical para o uso de “gênia” e “ídala”, eu não chegaria ao ponto de tratar essas formas como “erros crassos”. Parece-me bem claro que estamos diante de brincadeiras, desvios que os próprios falantes – ou a maioria deles – usam de forma consciente e lúdica.
Sem nenhuma pesquisa, tocando de ouvido, arrisco dizer que “gênia” é uma palavra empregada quase sempre com ironia. “Que gênia!”, costuma-se exclamar quando uma mulher faz ou diz uma rematada bobagem. Em “ídala” a brincadeira fica ainda mais clara, pois a flexão de gênero, caso existisse na língua formal, seria ídola. “Ídala” é um disparate.
Há outros casos em que substantivos sobrecomuns são habitualmente flexionados na linguagem informal. “Ele já fez trinta anos, mas é um crianção”, por exemplo (“criança” é substantivo feminino). Ou ainda: “Aquela professora é uma verdadeira carrasca” (“carrasco” é sempre masculino).
Tudo isso contraria a norma culta, é claro, e deve ser evitado nos contextos em que ela seja exigida. Mas nem tudo é norma culta na linguagem do dia a dia. O humor, a ironia, a afetividade e outras necessidades expressivas podem levar o falante a brincar com as palavras. Não há nada errado nisso – desde que seja hora de brincar.
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