“Encontro frequentemente o substantivo ‘personagem’ usado como se fosse masculino, ‘o personagem’. No entanto, recordo-me perfeitamente dos bancos escolares em que aprendi ser ‘personagem’ substantivo sempre feminino, mesmo quando a personagem em questão é homem. Exemplo: ‘Bentinho é uma personagem patética’. Terei aprendido errado, terão mudado a regra ou andam errando todos à minha volta? Agradeço o esclarecimento.” (Marcelo Xavier)
A dúvida de Marcelo flagra uma evolução linguística que, não tendo começado ontem, ainda provoca alguma confusão: o substantivo “personagem”, que um dia foi exclusivamente feminino, é cada vez mais – sobretudo no Brasil – compreendido como aquilo que chamam “comum de dois”, ou seja, uma palavra invariável que pode ser masculina ou feminina, conforme o caso.
Barbarismo? Erro crasso? Seria preciso ser extremamente conservador para, a esta altura do século XXI, condenar algo que autores cultos vêm empregando há décadas e que todos os principais dicionários brasileiros e portugueses já aceitam: “personagem” é um substantivo de dois gêneros.
Se não cabe acusar de incorrer em erro quem, fiel ao uso clássico, diz que Bentinho é “uma personagem”, tampouco faz sentido condenar quem opta pelo uso moderno e distingue entre “o personagem Bentinho” e “a personagem Capitu”.
Vindo do francês personnage – e portanto descendente do latim persona, inicialmente “máscara de teatro”, onde fomos buscar nosso substantivo “pessoa” –, o vocábulo teve seu gênero exclusivamente feminino defendido com ardor pelo influente gramático brasileiro Napoleão Mendes de Almeida (1911-1998) em seu “Dicionário de Questões Vernáculas”. Para Napoleão, “o personagem” não passava de um francesismo, influência do francês le personnage.
Talvez fosse mesmo. Como em tantas outras questões em que o purismo foi atropelado sem dó pela marcha da história, cabe perguntar: e daí?
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