Do hehe ao kkk: como rir numa mensagem de internet
“Sérgio, com a interação cada vez maior pela internet e a vontade de nos comunicarmos da forma mais natural possível, tenho uma grande dúvida sobre se existe algum ‘tratado’ sobre as risadas usadas nesse meio virtual. Entre ‘hehehe’, ‘kkkk’, ‘hiauhaiha’, ‘rsrsrs’, que todo mundo usa mas que, quando numa conversa mais séria, não caem bem, […]
“Sérgio, com a interação cada vez maior pela internet e a vontade de nos comunicarmos da forma mais natural possível, tenho uma grande dúvida sobre se existe algum ‘tratado’ sobre as risadas usadas nesse meio virtual. Entre ‘hehehe’, ‘kkkk’, ‘hiauhaiha’, ‘rsrsrs’, que todo mundo usa mas que, quando numa conversa mais séria, não caem bem, fica a dúvida: como rir pela internet? Hehe. Obrigado.” Stefano Mattei
A resposta à consulta de Stefano é simples, embora também se possa dizer, de um certo ponto de vista, que é impossível. Existe algum “tratado” sobre risadas de internet? Não que eu saiba. Como rir pela internet? Cada um deve tomar essa decisão sozinho, levando em conta sua disposição para a hilaridade e, naturalmente, o contexto.
Essa angústia brota do abismo existente entre a comunicação escrita e a oral. Esta, sobretudo de corpo presente, mas até certo ponto também por telefone, tem à sua disposição diversos recursos visuais ou sonoros – expressão facial, gestos, entonação – que temperam o que é dito. A ausência de tais traços na comunicação escrita faz com que o potencial de mal-entendidos cresça perigosamente. “Tá maluco?”, por exemplo, pode ser uma mensagem cordial ou agressiva. Pode ser escrita em tom cordial e lida em tom agressivo. Ou vice-versa.
Tudo isso, porém, já não era verdade nos tempos pré-internéticos, quando a humanidade tinha o hábito de trocar cartas? Sim, mas a correspondência tradicional baseava-se num registro mais formal ou pelo menos mais bem cuidado, em que cabia aos próprios recursos da palavra escrita evitar esse tipo de problema. “Tá maluco?” não é uma frase típica das velhas missivas. Acho mais provável que se escrevesse algo como: “Espero que não me leve a mal, mas, refletindo sobre aquele assunto, sinto-me obrigado a dizer que sua posição parece um tanto desconectada da realidade” – alguma coisa por aí.
No meio virtual, a comunicação escrita é inteiramente diferente. Veloz, informal, aproxima-se tanto da oralidade que traz consigo uma série de muletas gráficas, substitutas mais ou menos eficientes dos referidos recursos visuais e sonoros. Os emoticons, aquelas carinhas sorridentes ou zangadas feitas com caracteres, são o protótipo dessa nova “linguagem”. Uma penca de abreviações e onomatopeias completa o arsenal.
Hehe, hahaha e rsrs são recursos que já me senti à vontade para usar, embora com parcimônia. Kkkkk, uahuahuah, emoticons e o anglófilo LOL (laughing out loud, “rindo alto”) estão fora do meu repertório. Mas a verdade é que cada um ri como bem entender – questão de hora, lugar, gosto, até mesmo de geração. Se o cardápio parece variado demais, deve-se levar em conta que as risadas verdadeiras têm um número muito maior de nuances. E que numa “conversa mais séria”, como diz Stefano, talvez seja melhor simplesmente não rir.
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