“Prezado Sérgio, efusivos parabéns pela coluna! Minha dúvida é simples: acho muito engraçada a expressão ‘chorar pitanga’, já usada por minha avó, e que até hoje ouço de vez em quando. Como terá nascido essa figura de linguagem?” (Oneida Costa)
A dúvida de Oneida pode ser simples, como ela afirma. Seu esclarecimento, nem tanto.
Como eu disse aqui há pouco tempo, as locuções tradicionais de uma língua – isto é, as criações populares que se cristalizam em frases feitas e ditados, a cujo estudo se dá o nome de fraseologia – muitas vezes apresentam desafios intransponíveis.
Nesses casos, nem chorando muita pitanga o estudioso consegue ter certeza sobre sua origem. Mas é claro que algumas suposições parecem melhores que outras.
Sabe-se ao certo que “chorar pitanga” é um brasileirismo, uma expressão exclusiva de nosso país, o que é natural: a própria pitangueira (Eugenia uniflora) é nativa daqui, e seu nome veio do tupi pitana (“avermelhado”), segundo Antônio Geraldo da Cunha. Tradicionalmente é mais encontrada em negativas enfáticas – “Nem que ele chore pitanga lhe emprestarei dinheiro” –, mas pode ocorrer também em outros tipos de construção: “Você fica aí chorando pitanga em vez de agir”.
Pode-se garantir também que é uma expressão muito antiga, provavelmente já falada pela avó da avó de Oneida, ou mesmo pela avó da avó daquela senhora. O livro “Origens de anexins”, de fins do século XIX, do filólogo Antônio de Castro Lopes, traz uma historieta em que certo personagem se surpreende e começa a rir quando ouve outro empregar a locução: “Ah! Ah! Ah! É boa. Há muito que não ouço este anexim”.
Se a cena é ilustrativa, a tese favorecida por Castro Lopes sobre a origem de “chorar pitanga” convence menos: “Na língua guarani o vocábulo pitang ou mitang significa menino, criança. (…) não seria portanto de admirar que desde os tempos primitivos do descobrimento do nosso país se tivesse empregado esta frase híbrida, ‘chorar como pitang‘ (aportuguesando, pitanga), isto é, chorar como criança. No anexim há apenas a omissão da palavra ‘como’, que o povo por corruptela suprimiu”.
Pode fazer sentido, quem sabe? De qualquer forma me agrada bem mais, pela simplicidade, a tese apresentada por Luís da Câmara Cascudo em seu “Locuções tradicionais do Brasil”: “chorar pitanga” se explicaria como uma variação poética e hiperbólica da velha expressão portuguesa “chorar lágrimas de sangue”, por ser “o fruto globular” parecido com uma gota gorda e, como o sangue, “de linda carnação rubra”, nas palavras do estudioso.
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