“A esposa de um amigo meu está assumindo a função máxima em um consulado. Qual é a melhor forma de referir-me a ela doravante: a cônsul ou a consulesa? E como devo referir-me ao meu amigo? Existe forma masculina para o cônjuge da cônsul/consulesa?” (Danton Franco)
A pergunta de Danton tem uma resposta simples, embora sejam bastante complexos os mecanismos por trás delas. Falaremos deles, mas vamos começar pela dúvida objetiva.
Uma mulher que ocupe tal posto pode ser chamada de cônsul ou de consulesa. As duas formas (derivadas do latim consulis, “magistrado romano; representante de Roma nas províncias”) encontram abrigo na tradição da linguagem diplomática. A escolha de uma delas vai depender do falante e, provavelmente, da própria cônsul/consulesa.
Seu marido, porém, não é contaminado por esse título. Deve ser chamado, se for o caso, de “marido da cônsul/consulesa”.
É preciso levar em conta que estamos falando de convenções criadas por “usos particulares que nem sempre são unanimemente adotados na língua comum”, como diz o gramático Evanildo Bechara em sua “Moderna gramática portuguesa”. Aqui não há leis além das que são ditadas pelo uso e pela etiqueta.
As variações se refletem nos dicionários. O Aurélio, por exemplo, se omite no verbete consulesa, que registra como feminino de cônsul sem entrar no mérito de seu emprego na acepção de diplomata do sexo feminino ou na de mulher do cônsul. O Houaiss sequer reconhece a palavra como verbete próprio. Já o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa traz as duas acepções.
O sentido mais antigo de consulesa, surgido numa época em que as mulheres não eram admitidas na carreira diplomática, é o de cônjuge do cônsul. Havia uma analogia entre a consulesa e a embaixatriz (do italiano ambasciatrice), “mulher do embaixador”.
Quando, no século XX, o avanço do feminismo abriu para as mulheres as portas da diplomacia, criou-se a distinção entre a embaixadora – mulher que ocupa o posto mais alto na carreira – e a embaixatriz. (Registre-se que, segundo o Instituto Rio Branco, a primeira embaixadora do Itamaraty foi Odete de Carvalho e Souza, que chefiou o departamento político do ministério de 1956 a 1959.)
Uma distinção semelhante, mas menos consagrada pelo uso, existe entre a cônsul (diplomata) e a consulesa (mulher de diplomata), como explica Bechara:
Todavia já se aceita a distinção, por exemplo, entre a cônsul (= senhora que dirige um consulado) e a consulesa (= esposa do cônsul), a embaixadora (= senhora que dirige uma embaixada) e a embaixatriz (= esposa do embaixador).
No entanto, se a palavra embaixatriz nomeia, acima de qualquer dúvida, um posto que só se atinge pelo casamento, persiste o emprego ambíguo de consulesa.
Resta observar para onde o uso caminhará. Questões de gênero como essa são campos de batalha em que os sinais costumam ser contraditórios, com a distinção e a indistinção trocando de lugar o tempo todo. Poetisa, por exemplo, é um termo em declínio, rejeitado em favor da indiferenciação de “poeta”. Enquanto isso, a diferenciação de “presidenta”, na qual insiste a presidente Dilma, trabalha no sentido oposto.
E já que estamos falando de política dos sexos, reconheça-se que existe uma razão profunda e ancestral – que pode sem dúvida ser considerada machista num sentido amplo – para que o marido da embaixadora não seja (ainda?) chamado de embaixador, nem o da cônsul/consulesa, de cônsul. É a mesma razão que faz com que, no casamento, mulheres adotem frequentemente o sobrenome do marido, mas maridos nunca adotem o das mulheres. A tradição cultural que valoriza o papel feminino de “apêndice” do homem consideraria a recíproca desprezível.
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