É difícil encontrar um brasileiro que não tenha ouvido a seguinte história: a expressão “nas coxas” – locução adverbial informal e um tanto grosseira, normalmente empregada com o verbo fazer e que significa “mal, de modo precário ou descuidado, sem capricho” – nasceu com a velha prática colonial de fabricar telhas moldando-as nas coxas dos escravos. As telhas ficavam horríveis, claro, cada uma de um tamanho. Daí o sentido negativo adquirido por “nas coxas”.
A tese é tão difundida quanto furada. Para começar, nunca se encontrou, na arquitetura colonial brasileira, essa construção absurda em que cada telha tivesse um tamanho, algo que seria de uma estupidez notável. Se o formato de nossa telha colonial – abaulado, mais largo numa das extremidades – sugere mesmo uma coxa como molde, algo que está provavelmente na origem da lenda, suas medidas são ridiculamente incompatíveis com tal ideia. O cálculo é do arquiteto José La Pastina Filho, superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico Nacional, em seu ensaio “Eram as telhas feitas nas coxas das escravas?”:
Para confirmar nossa convicção das inconsistências da assertiva popular – telhas feitas nas coxas dos(as) escravos(as) – tomamos as medidas das coxas de um homem de 1,80m de altura e verificamos que, usando-a como molde, só seria possível a fabricação de uma minúscula telha de 36cm de comprimento. Sem maiores preocupações com aspectos de anatomia humana, se estabelecermos uma simples regra de três, poderemos verificar que, para fabricar uma telha de 77cm, precisaríamos contar com um escravo de 3,95m de altura.
Ou, claro, com um óbvio molde de madeira. É interessante comparar o racismo embutido nessa lenda (“ah, aqueles escravos não faziam nada direito!”) com aquele da “descoberta acidental” da aguardente, comentada recentemente aqui.
A verdadeira origem de “nas coxas” é imprecisa. O professor de português gaúcho Cláudio Moreno, colunista do jornal “Zero Hora” e um dos bons comentaristas brasileiros de questões de língua, aposta numa motivação sexual, ligando a expressão ao “velho sexo intercrural (ou interfemoral), já tão praticado na Grécia, conceito muito conhecido pela minha geração mas que os jovens atuais simplesmente não entendem (‘Se chegavam na portinha, por que não iam adiante?’)”.
Não duvido que tais conotações libidinosas tenham contribuído para o sucesso da locução, revestindo-a de um charme proibido, mas observo que talvez não seja preciso ir tão longe. Uma expressão sinônima como “em cima da perna” sugere que “nas coxas” pode ter surgido para qualificar de modo prosaico aquilo que uma pessoa faz afobadamente, usando as próprias pernas como apoio improvisado, em vez da mesa que lhe permitiria realizar trabalho mais decente.