Com o anúncio da filiação do deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) ao Partido Social Liberal (PSL) para concorrer a presidente nas eleições de 2018, integrantes do movimento Livres estão deixando a sigla. No Rio Grande do Sul, pelo menos 500 dos cerca de 2.000 filiados já pediram desligamento do partido por rejeição ao deputado. O presidente estadual do PSL e líder do Livres no Rio Grande do Sul, Fábio Ostermann, de 33 anos, será o último a sair. Ele deixará a sigla assim que concluir as desfiliações dos descontentes, como ele. Fora do PSL, Ostermann, que concorreu a prefeito de Porto Alegre em 2016, continuará liderando o Livres e planeja concorrer a deputado federal por outro partido.
Em entrevista a VEJA, Ostermann afirmou que os seguidores do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os seguidores de Bolsonaro são parecidos. “As semelhanças entre eles são grandes demais e gritantes demais para ser ignoradas”, falou. Lula e Bolsonaro são os primeiros colocados das pesquisas para a eleição presidencial de 2018.
Para ele, a presença de Bolsonaro no partido é incompatível com as ideias do movimento Livres porque o deputado defende um “liberalismo de ocasião que não tem coerência e nem consistência”. Ostermann também criticou o autoritarismo de Bolsonaro: “Seria um retrocesso imenso para a democracia deixar alguém que acha a ditadura algo aceitável chegar à Presidência”.
A seguir, a entrevista com Fábio Ostermann:
Por que deixar o PSL?
Deixamos bem claro que se alguém quiser permanecer, é uma escolha. Porém, é incompatível estar no mesmo partido do Jair Bolsonaro e do Luciano Bivar [presidente do PSL], que foi quem abriu as portas ao Bolsonaro e passou essa rasteira tão indigna e típica da velha política.
Qual é a incompatibilidade com Bolsonaro e agora com o PSL?
Há uma incompatibilidade ética. Bolsonaro tem buscado legendas partidárias para levar a cabo seu projeto personalista. Não apenas o Bolsonaro, como o Luciano Bivar, que chegou ao ponto de rifar o projeto liderado pelo seu próprio filho, Sérgio Bivar, que também saiu do PSL. A prática de “acordos de portas fechadas” e de “caciquismo” é o que nos afasta sobremaneira de Bolsonaro. Mas também as diferenças ideológicas nos afastam. Ao contrário de Bolsonaro, o Livres se construiu como alternativa política para aqueles que não acreditam que o governo seja solução para tudo, intervindo no bolso e no fruto do trabalho das pessoas. É um movimento para liberdade econômica, para que as pessoas possam prosperar. Ao mesmo tempo, é um movimento que acredita que o governo não tem que interferir naquilo que se faz na intimidade, interferir na vida pessoal.
A prática de “acordos de portas fechadas” e de “caciquismo” é o que nos afasta sobremaneira de Bolsonaro. Mas também as diferenças ideológicas nos afastam. Ao contrário de Bolsonaro, o Livres se construiu como alternativa política para aqueles que não acreditam que o governo seja solução para tudo.
O deputado Bolsonaro tem posições conhecidas contra homossexuais. Como o Livres se posiciona?
As pessoas precisam ser reconhecidas pela dignidade, e não pela orientação sexual. Não cabe ao braço estatal impor restrição na forma como as pessoas se reconhecem. [O preconceito] é uma visão arcaica e ainda encontra repercussão no Brasil e, esperamos, que em breve deve ser parte do passado. É natural que haja apoio a esse tipo de ideia [de Bolsonaro] porque ainda somos uma sociedade arcaica com valores muito arraigados. O Livres traz um projeto de liberdade não só econômica, mas social e cultural.
Quais são as principais divergências com o deputado no campo econômico?
Ele agora tem adotado um liberalismo de ocasião que não tem coerência nem consistência. Basta olhar para o histórico dele de rejeição de pautas liberais: se opôs ao Plano Real, à reforma da Previdência, sempre esteve do lado da estrutura burocrática, defende privilégios de servidores públicos e militares e é favorável ao protecionismo. Ele tentou surfar na onda da ascensão da nova direita, que se mobiliza por pautais economicamente e liberais. O “liberalismo” dele é tão de ocasião que o Adolfo Sachsida e o Bernanrdo Santoro [economistas] já desertaram [da equipe de apoio] por perceberem que ele não tinha nenhum compromisso com o liberalismo. É só ver qualquer entrevista dele para ver que não tem profundidade alguma. Isso ficou claro na própria carta conjunta lançada onde se comprometeram com “liberalismo econômico sem visão ideológica”. Não faz o menor sentido! Quando se defende o liberalismo, obviamente se defende uma ideologia, não há nada de errado nisso.
Ele agora tem adotado um liberalismo de ocasião que não tem coerência e nem consistência. Basta olhar para o histórico dele de rejeição de pautas liberais
Quando Bolsonaro votou pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2016, ele elogiou o “coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma”. O que o senhor pensa sobre isso?
É uma das coisas mais lamentáveis que esse senhor já proferiu. No voto mais importante na vida dele, em um momento importante que o Brasil vivia ao tirar pelos mecanismos legais uma presidente criminosa, o Bolsonaro vai lá e homenageia o comandante Ustra, justamente por ser um torturador. Pior foi ver “descerebrados” que dizem que não há provas de que Ustra foi torturador. Ele foi o chefe do DOI-Codi de São Paulo. Se teve algum lugar onde ocorreu tortura foi lá. Participei de um debate no fim de 2016 em que ele se negou a desdizer o que havia dito no seu voto e ainda reforçou. Isso é uma vergonha. Uma coisa seria entender que tinha poucas opções em 31 de março de 1964, outra coisa é louvar e justificar a tortura. Seria um retrocesso imenso para a democracia deixar alguém que acha a ditadura algo aceitável chegar à Presidência.
Seria um retrocesso imenso para a democracia deixar alguém que acha a ditadura algo aceitável chegar à Presidência.
O jornal Folha de S.Paulo publicou uma série de reportagens que mostra o enriquecimento de Bolsonaro e seus filhos como incompatível com a função pública. Qual sua opinião?
Acho problemática a incapacidade das pessoas de aceitarem críticas em relação aos seu ídolo político. Política é um serviço público que deve ser exercido sem idolatria e sem poderes concentrados nessas pessoas. Parece que é isso que os adoradores tentam plantar: que ele seja eleito e tenha poder absoluto. Isso não vai ocorrer porque ele não vai se eleger presidente e, se for eleito, vai encarar uma série de obstáculos colocados pela democracia brasileira.
O senhor fala em “idolatria”. Há uma semelhança nesse aspecto entre defensores de Bolsonaro e do ex-presidente Lula?
Os seguidores do Bolsonaro estão cada vez mais semelhantes aos seguidores do Lula. A gente consegue enxergar várias similaridades, começando pela defesa de pautas autoritárias. Não se pode minimizar isso. O Lula, no seu governo, sempre foi parceiro de governos autoritários e sempre foi criticado pelos liberais por isso. A crítica não foi por esses governos serem de direita ou de esquerda, mas por serem autoritários. Além disso, tanto Bolsonaro como Lula dizem ser perseguidos pela mídia. Os dois criticam a mídia de maneira visceral. Eu sofro críticas porque bato em ambos, tanto em Lula quanto em Bolsonaro. São lideranças populistas e demagógicas que constroem argumentos insustentáveis. Ambos têm por prática desmerecer os opositores e deslegitimam a tradição democrática. Só eles vão ‘salvar o Brasil’, todo o resto é imundo e sujo. As semelhanças entre eles são grandes demais e gritantes demais para ser ignoradas.
Os seguidores do Bolsonaro estão cada vez mais semelhantes aos seguidores do Lula. (…) Ambos têm por prática desmerecer os opositores e deslegitimam a tradição democrática. Só eles vão ‘salvar o Brasil’, todo o resto é imundo e sujo. As semelhanças entre eles são grandes demais e gritantes demais para ser ignoradas.
O que vai ocorrer agora com o Livres, após a saída do PSL?
Em princípio a gente vai criar um movimento pluripartidário com a inserção de lideranças e pré-candidatos em partidos políticos variados que tenham afinidades de ideias. As candidaturas são veículos para manter o Livres vivo. Sou pré-candidato a deputado federal. Estamos sentando e conversando para entender o cenário de diversos partidos. Conversamos com PPS, PSDB, DEM, Novo, Podemos, Rede, com todos exceto os radicais de direita e de esquerda. O próprio PEN, que Bolsonaro deixou na mão, nos procurou para se solidarizar. Vamos ver quem será o próximo que o Bolsonaro vai deixar na mão.
Com essa mudança, o Livres se aproxima de outros movimentos de “hackers da política”. Como o senhor vê esse fenômeno?
Os partidos estão tentando se adaptar a uma realidade de descrédito. Eu sou favorável a candidaturas independentes, o cidadão não deveria ser obrigado a se filiar para concorrer. Deveríamos ter mais liberdade para participar da política. Essas estruturas estão defasadas.
Quem é o candidato ideal à Presidência em 2018?
Não existe ideal, existem os que convergem mais ou menos com as pautas liberais. Entre os candidatos que apresentam uma defesa mais coerente das pautas liberais, sem dúvida, é o João Amoêdo, do Novo.
O senhor foi candidato a prefeito de Porto Alegre em 2016. O que tem achado do governo do prefeito Nelson Marchezan Jr. (PSDB)?
Infelizmente, sou mais um dos porto-alegrense decepcionados com o que tem sido a administração do Marchezan. Ele acabou perdendo boa parte do capital político construído na campanha, perdeu a oportunidade de aprovar projetos pela dificuldade de diálogo. Há uma redução da conservação da idade, reclamações de professores, servidores da Saúde e dos usuários dos serviços. É reflexo da incapacidade do prefeito de priorizar e saber quais brigas ele deve comprar. Ele está entendendo na prática que o mandato no Executivo é muito diferente do mandato do Legislativo. No Legislativo, ele pode fazer discursos e xingar todo mundo. No Executivo, ele precisa ser mais conciliador e ter capacidade de ouvir, um papel mais bem exercido pelo vice-prefeito Gustavo Paim (PP).
Infelizmente, sou mais um dos porto-alegrense decepcionados com o que tem sido a administração do prefeito Marchezan (PSDB). (…) Há uma redução da conservação da idade, reclamações de professores, servidores da saúde e dos usuários dos serviços. É reflexo da incapacidade do prefeito de priorizar e saber quais brigas ele deve comprar.
O que o senhor pensa sobre o governo do presidente Michel Temer (PMDB)?
É um governo paradoxal. Por um lado, é inegavelmente manchado por denúncias e casos aparentemente concretos de corrupção. O Livres foi um dos poucos movimentos que pediu a renúncia de Temer e tentou mobilizar deputados a aceitarem as denúncias contra ele. Mas, ao mesmo tempo, apoiamos as reformas propostas. Mas não achamos que as reformas dependem dele ou são reformas dele. Se fossem, ele as teria colocado em prática nos seis anos em que foi vice-presidente.
Qual sua avaliação da gestão do governador José Ivo Sartori (PMDB)?
Tenho sido muito crítico ao governo porque ele foi eleito já sabendo de boa parte dos problemas que enfrentaria e, na largada, deu um sinal dos piores possíveis. Ainda em 2014, logo após ser eleito, os deputados estaduais da sua base votaram em peso pelo aumento salarial para deputados, governador, vice e secretários, incluindo sua esposa, atual secretária estadual e, na época, deputada. O estado está em frangalhos, não consegue demitir, fechar fundações e autarquias, não consegue diminuir de forma convicta o número de CCs (cargos em comissão). Só agora o governo vai reforçar o efetivo da polícia civil e militar, uma situação inaceitável. A convocação desse efetivo infelizmente vai vir tarde demais para os gaúchos que perderam a vida ao longo desses últimos anos. Demonstra uma incapacidade de prestar o básico, que é segurança pública. O governo deve rever todas as prioridades. Reforçar a segurança é o mínimo de respeito pela vida e pela liberdade.