A esperança de cura para pacientes com câncer foi utilizada para lavagem de dinheiro do tráfico de drogas por uma quadrilha do Rio Grande do Sul. A quadrilha comercializava a polêmica “pílula do câncer”, a fosfoetanolamina, por vendas na internet a partir de Miami, nos Estados Unidos. As cápsulas, porém, sequer continham a fosfoetanolamina na composição, informou o delegado Marcio Zachello, da Delegacia de Repressão ao Crime de Lavagem de Dinheiro (DRLD), a VEJA.
No Brasil, a venda da fosfoetanolamina é proibida por falta de eficácia comprovada, mas usuários podem importá-la como suplemento alimentar. A descoberta da Polícia Civil é resultado da Operação Placebo, deflagrada na última quinta. A operação investiga o tráfico de drogas em Porto Alegre e na região metropolitana. A polícia também investiga a lavagem de dinheiro a partir da revenda de carros de luxo, mercado de pedras preciosas, empresas offshore nos Estados Unidos e no Uruguai e também do comércio de fosfoetanolamina falsa.
Uma coleção de 27 automóveis de luxo como Corvette, Jaguar e Mercedes, no valor de milhões de reais, foi apreendida. Foram cumpridos oito mandados de busca e apreensão em Porto Alegre, Viamão, Alvorada e Canoas. Dezesseis passaportes foram retidos, 33 contas bancárias foram bloqueadas e uma pessoa foi presa em flagrante, mas solta após pagar fiança de 50.000 reais. Além disso, 130 frascos contendo noventa cápsulas de fosfoetanolamina falsa foram encontrados.
“A investigação iniciou-se há quatro meses com foco na lavagem de dinheiro do tráfico. Porém, enquanto desenvolvíamos a investigação, descobrimos que um dos investigados comercializava a fosfoetanolamina”, contou Zachello a VEJA . Enquanto a polícia investigava, a RBS TV, de Porto Alegre, descobriu o esquema da fosfoetanolamina e enviou cápsulas para a Universidade de Campinas (Unicamp), que concluiu que as pílulas não continham a substância prometida.
Entretanto, o advogado Daniel Gerber, que defende a fabricante do suplemento Phospho Ethanolamine, sustenta que “a investigação nasceu por força de declarações falsas que trazem por objetivo prejudicar comercialmente a empresa e os consumidores de um produto aprovado pela própria FDA norte-americana, situação esta que já está sendo devidamente esclarecida às autoridades públicas”. A empresa é o Laboratório Federico Diaz, com sede no Uruguai, que nega irregularidades na fabricação e comercialização do produto.
Por sua vez, a empresa Quality Medical Line, que comercializa fosfoetanolamina em Miami, alega que o suplemento segue todas as regras exigidas nos Estados Unidos para sua comercialização e que nos testes exigidos pelo governo norte-americano mostram “os resultados apontaram exatamente as mesmas concentrações apontadas no rótulo do suplemento”. Ao contrário do que o teste citado pela polícia, as cápsulas contêm fosfoetanolamina, defende a empresa.
“A gente entendeu a necessidade de acelerar a ação porque depois de divulgarem a reportagem, eles [investigados] saberiam que teriam alguma ação e poderiam sumir com provas e ocultar bens”, explicou o delegado sobre a ação da última quinta.
A ação também teve apoio do Ministério Público. Em nota do órgão, o promotor Marcelo Tubino chama de “repugnante” o comércio das pílulas sem o princípio ativo prejudicando ainda mais “consumidores em prováveis condições de vulnerabilidade”.