Um deserto de candidatos e de ideias
O perturbador cenário de indigência a oito meses da eleição
O mundo gira, a Lusitana roda, e a terceira via continua no mesmo lugar: nenhum.
Simone Tebet (que declarou que sua candidatura estava “se tornando irreversível”) e João Doria (famoso por não desistir nunca) cogitam desistir de concorrer em prol de uma candidatura única a ser lançada por uma federação entre MDB, PSDB e União Brasil. Que candidatura seria essa, ninguém sabe.
O que se sabe é que Gilberto Kassab, do PSD, vai acabar apoiando Lula, mas, enquanto isso, tenta encontrar alguém para esquentar a cadeira e aumentar o valor de seu passe. Seu plano A é Rodrigo Pacheco, que não decola. O plano B é Eduardo Leite, que teria de ganhar a final depois de perder a semifinal (se tentar e perder de novo, o que é quase certo, pode enterrar sua promissora carreira). Kassab já tem plano C: Paulo Hartung, que é honesto, experiente e consertou o Espírito Santo, que parecia sem conserto. Mas é desconhecido e não tem carisma.
Lula, tranquilo, aguarda que os moderados, fugindo do risco Bolsonaro, caiam em seu colo por gravidade. Não perde por esperar. Dias atrás, algumas importantes personalidades publicaram manifesto em que afirmam que “muitos de nós fomos e ainda somos críticos (a Lula)”, mas que nada justifica adiar a decisão final para o segundo turno. E conclamam “todos os democratas” à adesão imediata e incondicional ao ex-presidente. Muitos aceitarão.
“O Brasil continua sem um candidato que aponte para um futuro promissor”
Um segundo turno com Bolsonaro é mesmo preocupante: vai que ele se reelege? Além disso, é temerário lhe dar um mês para organizar um golpe de Estado. Melhor matar a cobra logo no primeiro turno. O raciocínio faz sentido, mas, se é para aderir incondicionalmente, qual a pressa? A terceira via está moribunda, é verdade, mas para que matá-la logo? E anunciar apoio incondicional é retirar qualquer estímulo para que Lula se comprometa com pautas moderadas.
Defensores da adesão imediata enxergam sinais de moderação e conciliação na movimentação de Lula e não veem motivo para temer que seu governo seja irresponsável. É o que se chama em inglês de wishful thinking: creem nisso porque querem crer, porque precisam crer nisso para justificar seu apoio prematuro. Mas a realidade é um pouco diferente.
Lula sabe que precisa de uma ampla aliança tanto para vencer no primeiro turno quanto para governar, e está conversando com todo mundo, mas com o que de fato se comprometeu? Entre platitudes sentimentalistas e entrevistas chapas-brancas, Lula continua a ameaçar revogar o teto de gastos e a reforma trabalhista, interferir no preço do petróleo, botar a culpa das mazelas brasileiras na “subserviência do Brasil aos interesses estrangeiros”. Mudou o tom sobre a regulação da mídia, é verdade, mas declarou-se contra? Não, disse que o assunto deve ser tratado “pelo Congresso” — o qual pretende controlar.
Seus supostos parceiros, PSB em particular, se queixam de que a atitude do PT é altiva e hegemônica. Lula recusa qualquer autocrítica, descarta uma nova “carta aos brasileiros” e segue se queixando de ter sido perseguido, o que sugere que pode querer uma revanche.
Lula é quem sempre foi.
E o Brasil continua sem um candidato que aponte para um futuro promissor.
Publicado em VEJA de 23 de fevereiro de 2022, edição nº 2777