Steve Jobs, fundador da Apple, era famoso por ter em torno de si um “campo de distorção da realidade” capaz de convencer quem estava perto de que qualquer coisa era possível. Parece haver campo similar em torno de Jair Bolsonaro. E quanto mais se descobre sobre os esquemas do ex-presidente, mais forte constatamos o que é esse campo.
Bolsonaro, homem de conduta errática, foi um militar indisciplinado que planejou colocar bombas em quartéis e acabou por ser expulso da corporação. Durante seu mandato, tratou seus generais como pano de chão e humilhou as Forças Armadas incontáveis vezes.
Mesmo assim, convenceu um almirante de esquadra a contrabandear joias, um general de quatro estrelas a se envolver em um esquema de desvio de patrimônio público, um comandante do Exército a fazer campanha contra as urnas eletrônicas e (já ministro) a receber um criminoso — é a palavra do criminoso, mas o general-ministro não desmentiu. Por Bolsonaro, dezenas de militares aceitaram cometer crimes.
Pode-se argumentar que o ex-presidente cooptou seus militares com cargos, salários e privilégios e uma sensação (ainda que falsa) de poder. É verdade, mas o campo de distorção da realidade não se restringe aos militares — nem sequer a seu entorno.
Bolsonaro — que já defendeu tortura, homenageou assassinos (inclusive Stroessner, pedófilo e estuprador) e afirmou que a ditadura “deveria ter matado 30 000” — tentou tornar inimputáveis policiais que matassem na favela, vetou água para indígenas, expôs os cidadãos à pandemia. Mas milhões de pessoas que cultivam a compaixão e a caridade cristãs continuaram a apoiá-lo.
Destruiu o meio ambiente, sabotou a vacina, defendeu medicamentos inócuos (e perigosos), estimulou aglomerações. Mas manteve o apoio de milhões de pessoas que sempre acreditaram na ciência, inclusive médicos(!). Muitos até hoje não se vacinaram.
“Nada, nem mesmo as escabrosas revelações sobre as joias, faz com que o eleitorado pare de passar pano”
Estourou o teto de gastos, deu calote em precatório, provocou a alta de inflação, dólar e juros e manteve o Brasil em estagnação econômica. Mas convenceu muitos empresários e a maior parte do mercado financeiro de que as coisas iam bem.
Estimulou escandalosos esquemas de corrupção na saúde e na educação, comprou imóveis com dinheiro vivo, interferiu na Polícia Federal, atrapalhou investigações, entregou a chave do cofre ao Centrão e enterrou a Lava-Jato. Mas convenceu milhões de lavajatistas exaltados, gente que acha que não existe pecado maior do que corrupção, de que era um santo. Sergio Moro, voltou, rabo entre as pernas, ao ninho bolsonarista. Tarcísio de Freitas, Romeu Zema e outros ainda puxam o saco do ex-presidente.
Foi o presidente mais vulgar e mal-educado que já tivemos, mas gente rica, sofisticada e elegante, que detesta vulgaridade, se apaixonou por ele.
Nada, nem mesmo as escabrosas revelações sobre as joias, faz com que o antigo eleitorado pare de passar pano para o ex-presidente.
No que se refere à distorção da realidade, Steve Jobs não é nem páreo para Bolsonaro.
Que borogodó tem Bolsonaro?
Publicado em VEJA de 8 de setembro de 2023, edição nº 2858