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Ricardo Rangel

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Nunca antes neste país

Pela primeira vez, tudo indica que um golpe não ficará impune

Por Ricardo Rangel Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 3 jun 2024, 17h12 - Publicado em 22 mar 2024, 06h00

Coisas estranhas, nunca vistas na história deste país, estão acontecendo. A Polícia Federal anda investigando uma tentativa de golpe militar. Convocou oficiais generais para dar depoimento. Em um inquérito que investiga oficiais generais. Que investiga ex-comandantes das Forças Armadas. E os generais foram. Dois falaram. Acusaram outros oficiais generais. Inclusive um ex-comandante da Marinha. Inclusive um ex-comandante do Exército. Que foi ministro da Defesa.

Diante da ordem verbal para um golpe militar, o então comandante da Aeronáutica se recusou a receber o plano e retirou-se da sala e o então comandante do Exército alertou o comandante-em-chefe das Forças Armadas (um militar) de que, se insistisse no plano, seria preso.

Enquanto isso… as Forças Armadas estão em silêncio. Só quem fala é o presidente do Superior Tribunal Militar, o brigadeiro Joseli Camelo (que é da ativa). E o que ele diz é que é isso mesmo, que os militares que cometeram crimes serão punidos pela Justiça comum. As Forças Armadas não são Poder Moderador coisa nenhuma. Quem tem a última palavra é o Supremo Tribunal Federal. E quem não estiver satisfeito que vá se queixar ao bispo.

A tradição brasileira é que militares dão golpes quando querem e, bem-sucedidos ou não, ficam sempre impunes. Desta vez, a perspectiva é que os golpistas irão para a cadeia para cumprir penas pesadas. Incluindo ao menos quatro ou cinco oficiais generais e mais dúzia e meia de oficiais de menor patente. Algo inimaginável até muito recentemente.

É interessante que o cerco aos militares golpistas coincida com o cerco aos assassinos de Marielle Franco — outro caso como nunca se viu.

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“Os ataques ao Estado brasileiro, resultantes de uma cultura de impunidade, precisam acabar”

Bolsonaro e o assassino da vereadora moravam no mesmo condomínio. Um porteiro afirmou que o motorista Élcio Queiroz procurou o ex-presidente em casa no dia do crime. O então presidente mandou a PF interrogar o assassino e intimidar o porteiro (que sumiu). O bolsonarismo desfechou contra Marielle uma das maiores campanhas de fake news já vistas.

O ex-governador Wilson Witzel afirmou que Bolsonaro fez um acordo com seu sucessor, Cláudio Castro, para barrar as investigações; as procuradoras abandonaram o caso por “interferência externa”; a investigação só voltou a andar quando Bolsonaro saiu do poder.

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Ronnie Lessa menciona pessoas que ocupam cargos importantes no Estado brasileiro, têm fortes conexões políticas e grande capacidade de ingerência nas três esferas de poder da República.

A tentativa de golpe de Estado e o assassinato de Marielle Franco têm mais em comum do que parece à primeira vista: ambos ataques ao Estado brasileiro, resultantes de uma cultura de patrimonialismo, autoritarismo, violência e impunidade própria de um Estado pré-moderno. Uma cultura que precisa acabar.

O avanço das investigações, nos dois casos, deve ser comemorado. Mas ele não prova que tudo está bem: a punição dos golpistas será apenas o primeiro passo na efetiva profissionalização das Forças Armadas; a punição dos assassinos será um passo importante no combate à promiscuidade entre o crime organizado e o Estado brasileiro.

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Há um longo caminho à frente.

Publicado em VEJA de 22 de março de 2024, edição nº 2885

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