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Amor (à pátria) em tempos de ódio

No afã de se reeleger, Bolsonaro tenta comprar votos com dinheiro

Por Ricardo Rangel Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 12h01 - Publicado em 13 Maio 2022, 06h00
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  • Quase um terço do eleitorado não quer nem Lula nem Bolsonaro. A terceira via deveria estar decolando, mas parece cada vez mais ancorada no solo. Os responsáveis são a maioria dos pré-candidatos, que via a terceira via como “todos-por-mim”, e seus partidos, que ou querem Bolsonaro por causa dos bilhões do orçamento secreto; ou Lula, que consideram mais confiável; ou preferem usar os bilhões do fundo eleitoral para eleger deputados a arriscar dinheiro em uma terceira via incerta.

    Se tivessem mais amor à pátria, pré-candidatos e partidos estariam menos preocupados com seus interesses individuais e mais com o risco que uma escolha entre Lula e Bolsonaro traz para o país. Teriam viabilizado uma aliança viável há tempos. Mas amor à pátria é um produto em falta no mercado.

    Se Bolsonaro tivesse amor à pátria, não estaria desmontando a República. Lula faria parte da aliança democrática contra Bolsonaro, em vez de se colocar como figura hegemônica que espera adesão incondicional. Augusto Aras já teria denunciado Bolsonaro, em vez de fazer cara de paisagem a cada nova barbaridade que o presidente comete. Arthur Lira defenderia a República, em vez de engavetar os pedidos de impeachment. Rodrigo Pacheco defenderia a República, em vez de passar pano para Bolsonaro, como quando declarou constitucional o escandalosamente inconstitucional decreto de indulto a Daniel Silveira. Se os militares tivessem amor à pátria, se limitariam a suas atribuições constitucionais, em vez de se imiscuírem na política e ajudarem o chefe a tumultuar o processo eleitoral.

    “Há uma crise encomendada para 2024. Nós já vimos esse filme acontecer no país, e ele acaba mal”

    A pátria, que já não conta com o amor de ninguém, caminha aos trambolhões. O crescimento econômico em 2021 mal recuperou as perdas de 2020, e as projeções para 2022 e 2023 são pífias. O desemprego caiu um pouco, mas continua nas alturas, e os novos empregos são mais precários do que os de antes. Os juros estão na Lua e devem continuar subindo, mas a inflação não cai: este mês, subiu de novo, e o patamar dos últimos doze meses, de 12,13%, é o mais elevado desde 2003. Para piorar, as maiores altas vêm dos alimentos e dos transportes, afetando principalmente os mais os pobres: a desigualdade está aumentando.

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    No afã de se reeleger, Bolsonaro tenta comprar votos com dinheiro. Triplicou o custo do Bolsa Família, reduziu o IPI, liberou o saque do FGTS, prometeu aumento de salário a servidores, permitiu a acumulação de salário acima do teto constitucional (deu aos ministros militares um extra de mais de 300 000 reais por ano). Afora a bomba fiscal que arma para o ano que vem, sabota o trabalho do Banco Central, que tenta, em vão, conter a inflação.

    O próximo presidente receberá um país polarizado, com muito ódio e em graves dificuldades econômicas. Uma herança de fato maldita. O presidente, se confirmado o favoritismo de Lula ou de Bolsonaro, terá contra si o ódio de metade da população e a indiferença ou má vontade de 20% ou 30%. Terá uma base parlamentar pequena e será obrigado a se entender com o Centrão — que tem muita fome e nenhum amor, nem pela pátria nem por ninguém.

    Há uma crise encomendada para 2024. Nós já vimos esse filme, e ele acaba mal (e olha que em 2016 não havia tanto ódio).

    Publicado em VEJA de 18 de maio de 2022, edição nº 2789

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