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Ricardo Rangel

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A normalidade e o caos

A sociedade parece aturar os ataques de Bolsonaro à democracia

Por Ricardo Rangel Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 15h42 - Publicado em 14 ago 2020, 06h00
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  • Com a prisão do Queiroz, Bolsonaro mudou: deixou de fazer comícios, reduziu a agressividade, parou com as ameaças. Anunciou-se em um processo de “normalização”. Ninguém acreditou. Afinal, o “normal” de Jair Bolsonaro é, há anos, tiro, porrada e bomba.

    Mas, afinal, Bolsonaro acabou por tornar-se o que há de mais “normal” na política brasileira. Descobriu o clientelismo, abraçou o Centrão, virou cupincha de Roberto Jefferson, transformou Michel Temer em conselheiro, vai se apropriar do Bolsa Família para conseguir votos, até chapéu de cangaceiro usou. Para adotar a nova normalidade, no entanto, serviu-se da velha gratidão normal de sempre, e lançou os bolsonaristas-raiz ao mar.

    O amor do presidente pela democracia, no entanto, segue na normalidade antiga. Aras, em missão presidencial, desmonta a Lava-Jato (e o MPF) para prejudicar Sergio Moro, rival do chefe em 2022. André Mendonça criou um dossiê contra funcionários “antifascistas”. A CGU baixou norma punindo os que se manifestarem contra o governo. O filho Zero Três entregou uma lista de “terroristas” ao embaixador americano. O gabinete do ódio funciona normalmente.

    Os ataques de Bolsonaro à democracia continuam gravíssimos, mas — desde que não xingue — a sociedade parece aturá-los bem: a popularidade está alta, o Centrão está no bolso, Rodrigo Maia mantém os 49 pedidos de impeachment na gaveta.

    A família é a mesma. O filho Zero Um, o das rachadinhas, comprou imóveis com dinheiro vivo emprestado do pai (e de um irmão). As esposas Zero Um e a Zero Dois — cuja família é investigada por fraude nos gabinetes dos filhos Zero Um e Zero Dois — compraram imóveis em dinheiro vivo quando ainda casadas com Bolsonaro. Já a esposa Zero Tês recebeu uma penca de cheques do Queiroz. O Congresso acha normal o que, num país normal, derrubaria o presidente.

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    “Guedes pode perder a parada, mas tem razão: o que derrubou Dilma não foram as pedaladas, foi a crise fiscal”

    Em busca de votos, Bolsonaro autorizou Braga Netto e cia. a tocar o Pró-Brasil — que Paulo Guedes batizou de “Dilma-3” — e mandar brasa na gastança. “Nós podemos fazer o diabo quando é a hora da eleição”, ensinou Dilma, e, como a campanha já começou, Bolsonaro chutou a reforma administrativa para as calendas. Normal.

    A equipe econômica — cuja convicção “liberal” não a impediu de legitimar o presidente mais antiliberal desde Médici, e cujo desempenho “liberal” é sofrível — se estressou, e mais dois pediram o chapéu. Guedes, pela primeira vez, reagiu forte e alertou sobre o fato de que a irresponsabilidade fiscal pode levar ao caos e ao impeachment. É a sétima vez que Guedes ameaça ir embora, mas agora pode ser para valer.

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    Bolsonaro achou “normal” que os auxiliares vão para “uma atividade melhor” (deve crer que seu governo é ruim para trabalhar) e reiterou o compromisso com o teto de gastos etc. — mas ressalvou ser “compreensível” que os ministros busquem “mais recursos para obras essenciais”. O lero-lero normal usado para enrolar Sergio Moro por ano e meio.

    Guedes pode até perder a parada, mas tem razão: o que derrubou Dilma não foram as pedaladas, foi a crise fiscal. Da mesma maneira, ataques à democracia e falcatruas podem não derrubar Bolsonaro, mas ao descalabro econômico ele não resistirá.

    Publicado em VEJA de 19 de agosto de 2020, edição nº 2700

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