“Violenta e agressiva, entre metais e um coro insinuante”, assim Aretha Franklin apareceu pela primeira vez nas páginas de VEJA, em 6 de maio de 1970. No início de janeiro a cantora havia lançado seu décimo oitavo álbum, This Girl’s in Love with You, nome inspirado em um sucesso anterior de Burt Bacharach. O disco conta com duas músicas da dupla John Lennon e Paul McCartney, sendo uma delas Let It Be, em sua primeira versão comercializada, com os Beatles lançando a canção como single apenas dois meses depois.
No ano seguinte, sua evolução foi alvo de uma breve análise da revista. “Em Spirit in the Dark canta a nova Aretha”, diz o texto. A americana dá um tom mais suave ao álbum comparado com o LP Soul Sister, de 1966, início da imersão em que se tornaria a rainha do soul, e que serviu de exemplo da evolução da cantora dentro do movimento. O trabalho antigo foi mencionado como marca de uma Aretha ainda inconsistente, em contraste com a maturidade no novo álbum: “(em Soul Sister) Longe de irmã, ela é apenas uma vizinha da nova tendência que defende ainda com pouca convicção”, foi publicado na edição de janeiro de 1971.
A ausência de Aretha Franklin já debutava quando seu trabalho ressurgiu em VEJA, dia 8 de janeiro de 1986. Ao lado da cantora Grace Jones, foi exaltada sua vocação para abrir novas frentes na música negra americana. Naquela semana, novos LP’s das duas chegavam ao mercado. Em Aretha Sings the Blues a cantora resgata um repertório tradicional do velho blues, mas imprimindo sua entonação à coleção gravada no início dos anos 60.
A voz da cantora era o prenúncio da novidade que estaria por vir, a eclosão da Soul Music. Segundo a matéria, o lançamento era a chance de reparar uma injustiça histórica contra as canções de antes da era soul da cantora, que ficaram nos registros como sendo parte de um ponto baixo da carreira de Aretha. Ao mesmo tempo em que as faixas comprovam uma virada para a rainha do soul, também são mostra de que ela poderia ter sido uma das divas do blues.
O funk foi outra união da dupla de divas, sendo uma mistura de suas tendências, o soul com o som discoteca. Nos anos 70, Aretha foi considerada uma de suas pioneiras e, em disco autointitulado, do fim de 1986, o estilo retornava com força total. “Meu novo disco está em primeiro lugar na lista dos que já fiz”, disse Aretha sobre seu 28° LP. E a crítica da revista VEJA, publicada em meados de 1987, concordava com a avaliação da cantora. Em uma versão eclética, ela recriava o sucesso Jumpin’ Jack Flash, dos Rolling Stones, acompanhada pelos próprios integrantes da banda, Keith Richards e Ron Wood. Já em outra faixa, ela divide os vocais com o até então pouco conhecido George Michael, que viria a ser uma referência do pop.
A era de ouro de Aretha ficou para trás, e anos difíceis atrapalharam a carreira da cantora, que passou dos palcos para os tribunais de Justiça dos Estados Unidos. Ela foi acusada de sonegação de impostos e de incendiar a própria casa para receber o seguro. Mas em dezembro de 2003, So Damn Happy, seu primeiro CD de inéditas em 6 anos, marcou o retorno de americana às páginas de cultura, trazendo à mente a melhor fase de Aretha, nos anos 70.
Em dezembro de 2014, Franklin brilhou pela última vez em uma nota de VEJA Recomenda. Era um resgate de seu disco Live at Fillmore West, de 1971. Aretha cedeu aos apelos de seu produtor e substituiu a banda com que habitualmente se apresentava, sendo acompanhada pelo grupo do saxofonista King Curtis. O time deu apoio necessário para que a voz da diva, treinada na igreja de seu pai, brilhasse em um repertório impecável. A Rainha do Soul fez releituras de clássicos do pop, como Eleanor Rigby, dos Beatles e Bridge Over Troubled Water, de Simon & Garfunkel, foi acompanhada por Ray Charles em Spirit in the Dark, de autoria própria e ainda incluiu seus clássicos, como o hit Respect.