Assim que virou notícia o início de um longo processo de resgate de doze adolescentes e um adulto em uma caverna da Tailândia, na província de Chiang Rai, no norte do país, imediatamente lembrou-se o caso da mina de San José, no Chile, há oito anos, na qual trabalhadores se viram presos após uma explosão. O assunto foi capa de VEJA na edição 2.180, de 1º de setembro de 2010.
A matéria de capa mostrava a extensão do drama e sua importância para a ciência. “O confinamento de 33 mineiros a centenas de metros de profundidade é uma experiência humana única de sobrevivência em situações extremas que pode trazer ensinamentos para a medicina, para a psicologia e até para as viagens espaciais”.
Se o time de futebol tailandês fazia turismo quando se viu sem condições de deixar a caverna, inundada após fortes chuvas, os trabalhadores da mina de cobre ficaram presos após um acidente de trabalho: “no dia 5 de agosto [de 2010], um desmoronamento interrompeu a única saída da mina”, explicou a revista. Os garotos foram encontrados por mergulhadores nove dias após o desaparecimento. Os chilenos ficaram 15 dias sem dar notícia alguma. “Totalmente isolados do mundo até uma semana atrás, quando uma sonda perfurou os 700 metros de rocha que os separam da superfície e trouxe de volta um bilhete avisando que estavam vivos.”
O acidente de 2010 comoveu o mundo e foi retratado com riqueza de detalhes por VEJA. “A temperatura de 30 graus, a elevada umidade do ar e a poeira da mina tornam o ambiente insalubre como o de uma caverna. Nos primeiros dezoito dias, os mineiros perderam, em média, 10 quilos cada um e se mantiveram com a pouca comida disponível na sala de emergência da mina. Cabiam a cada um deles, em intervalos de 48 horas, meio copo de leite, meio biscoito e duas colheres de peixe enlatado. A água para beber era retirada do sistema de resfriamento das máquinas de escavação (…) Cinco deles foram diagnosticados com depressão, com base nas imagens de vídeo e nas conversas dos psicólogos com seus familiares.”
A busca para vencer a dificuldade de acessar o lugar onde estavam os soterrados era similar à engenharia que começa a ser estudada para solucionar o drama tailandês. “A previsão das equipes de resgate dos mineiros chilenos estima que levará mais 100 dias até que uma sonda perfure um túnel largo o suficiente para içá-los até a superfície. A demora se explica pela dificuldade de abrir um túnel de pelo menos 60 centímetros de diâmetro – que permita a passagem de um adulto – e de 700 metros de profundidade, num tipo de rocha extremamente duro e maciço, a diorita. A broca encarregada da perfuração é feita de carbureto de tungstênio, liga metálica composta em partes iguais de carbono e tungstênio, usada principalmente na fabricação de ferramentas industriais.”
Para manter a saúde das pessoas que estavam na mina, uma das principais preocupações era a alimentação. “No início, por terem passado tanto tempo ingerindo calorias suficientes apenas para sobreviver, foram-lhes fornecidas somente soluções restauradoras à base de glicose e sopas vitamínicas – estratégia semelhante à utilizada para salvar sobreviventes de campos de concentração nazistas. Na quarta-feira passada, os mineiros comeram uma barra de cereais. A expectativa era que no domingo fosse servido a eles um cardápio de ovo cozido, presunto e suco de laranja. Os médicos esperam estabelecer a partir de agora uma dieta com 2 000 calorias diárias. Resolvida a questão alimentar, a prioridade da equipe de resgate é manter a saúde dos sobreviventes num nível aceitável. Caso um deles venha a morrer, o impacto psicológico no grupo será devastador.”
A operação de resgate, citada nas páginas de 1º de setembro, iniciada por meio de “uma máquina de perfuração, a Strata 950, abrindo um túnel vertical de 66 centímetros de diâmetro até o local onde estão os sobreviventes” foi mais bem detalhada na revista de 20 de outubro de 2010 (edição 2.187), que trazia pormenores do sucesso da empreitada. Explicou, por exemplo, que a cápsula utilizada para erguer os sobreviventes, a Fênix 2, tinha 54 centímetros de diâmetro, pesava 450 quilos e foi construída especialmente para o resgate, no estaleiro das Forças Armadas do Chile. A cápsula descia ao local onde eles estavam em 16 minutos, em média, e gastava 12 para subir, já com o resgatado a bordo.
Big Brother global
Com o título “O reality show de 1 bilhão de telespectadores”, a reportagem comparava a megaoperação para salvar os chilenos, após 69 dias de confinamento, a um “Big Brother global, acompanhado pela TV por uma audiência similar à de uma final de Copa do Mundo”. Leia um trecho:
“Um bilhão de pessoas em todo o mundo estavam de olhos fixos na TV no início da madrugada da quarta-feira passada, quando o primeiro dos 33 mineiros soterrados havia 69 dias no Deserto do Atacama, no Chile, foi içado à superfície. Essa enorme audiência global, comparável à de uma final de Copa do Mundo, se deve ao interesse despertado pelo drama de características únicas vivido pelos mineiros. No tempo em que eles permaneceram isolados do mundo a 700 metros de profundidade, em condições extremamente insalubres, sua sobrevivência dependia de uma complicada operação logística de resgate por meio de um túnel cavado por uma sonda semelhante às de prospecção de petróleo. A possibilidade de que a manobra fracassasse era real e assustadora. Quando Florencio Ávalos, o primeiro mineiro resgatado, chegou são e salvo ao início do túnel, a bordo de uma cápsula, houve buzinaço em Santiago. As igrejas de todo o Chile repicaram os sinos. Os parentes dos mineiros, acampados próximo ao poço cavado para o resgate, explodiram em euforia e choro. Os 1 500 jornalistas presentes correram para noticiar o acontecimento. Era a prova de que a megaoperação montada para trazer de volta as vítimas do deslizamento na mina de San José, ocorrido em 5 de agosto, dera certo.”
A preocupação com a qualidade do show se via em pequenas decisões para a transmissão. Um dos objetivos era não chocar o público. “Quando Ávalos deixou a cápsula que o trouxe das profundezas, as câmeras da TV Nacional do Chile, a única que tinha permissão para gravar todas as etapas do resgate, levaram alguns segundos para mostrar seu rosto. O mesmo aconteceu no desembarque de seus 32 companheiros. Cumpria-se uma recomendação do presidente chileno, Sebastián Piñera. Ninguém sabia ao certo as condições em que os mineiros chegariam à superfície (…) Piñera, que comandou pessoalmente o teatro de operações do resgate, insistiu que ele fosse transmitido ao vivo, mas ordenou que os cameramen só mostrassem o rosto de cada mineiro depois de se assegurarem de que ele estava em boas condições. A intenção precípua do presidente era poupar os mineiros de exposições indesejáveis, mas ele também queria se precaver contra imagens chocantes que pudessem dar um tom desafinado à festa monumental, ao grande espetáculo planetário.”
Media training
A revista acompanhou também os primeiros passos em terra firme do grupo de mineiros, revelando inclusive o treinamento ao qual foram submetidos para se prepararem para a vida de celebridades. “Na quarta-feira, ao serem transportados do poço para um hospital, os 33 mineiros quiseram, primeiro, usufruir pequenos prazeres dos quais fazia muito não dispunham – tomar um banho de chuveiro, dormir numa cama. Na sexta-feira, 31 deles já tinham recebido alta e se preparavam para um novo desafio: viver no papel de celebridade. Já chovem ofertas para transformar a experiência dos mineiros em livros, minisséries de TV e filmes. Os integrantes do grupo já combinaram, e devem sacramentar o pacto num documento, que o lucro de tudo o que for feito relacionado à “marca 33” será dividido entre eles. Os mineiros foram preparados para essa mudança radical na vida deles – caso o resgate fosse bem-sucedido, é claro.
Ainda soterrados, por meio de videoconferências, eles receberam nove aulas de media training, ou seja, de como se relacionar com a imprensa sem se atrapalhar. Na sexta-feira, as lições foram reforçadas por um manual distribuído aos mineiros pela Asociación Chilena de Seguridad, que coordenou o resgate. O texto ensina como não perder a paciência diante de jornalistas, a pensar antes de dar respostas e a não falar pelos colegas.”